Essa é uma história épica, com despedidas e promessas, partidas e chegadas, travessias e pedaladas.
O herói: um muzungu com senso de direção, mas sem noção do caminho certo. O ajudante: uma bicicleta dos anos 80 sem freio. O local: a savana africana após uma noite de chuva. A missão: chegar em Chagalane se reunir com a Chefe do Posto e voltar a tempo do jantar. O prêmio: uma coca-cola.
14:00 horas e o nosso herói, eu, ainda se encontrava na OWU se preparando para ir a Changalane, em uma decisão que havia tomado em pouco menos de dez minutos. O motivo da ida era simples, afinal, caso não fosse hoje quem sabe quando poderia me reunir com a chefe do posto para acertar direitinho o começo de nossos projetos da cidade? Porém, dessa vez seria diferente.
A idéia inicial era pegar duas bicicletas para dar tempo de voltar para a janta às 18:00. Com isso teríamos que ir e voltar sozinhos, já que os alunos não podem pegar bicicletas sem autorização (as reuniões com a chefe são secretas, lembra?). Eram 14:15 quando fomos ao encontro de Seu Raul, o senhor das bicicletas.
Seu Raul fica pertinho do nosso quarto, e fica na rua de terra que marca o começo de nossa jornada. O barraco de chapa de zincos é onde geralmente descansa, mas dessa vez não estava lá.
O tempo passava e nada de Seu Raul, o único detentor da chave da barraca das bicicletas, nada podíamos fazer sem ele. Seu José, motorista do projeto, se esforçou para descobrir o paradeiro do dito cujo. O método era gritar “Raúl” aleatoriamente. Eficácia questionável, mas bem intencionado.
O relógio já marcava 14:25 e não sabíamos o que fazer. Caso fossemos a pé, duas horas e meia ida e volta, e nos reuníssemos com a chefe, e ela fala muito, muito provavelmente voltaríamos no escuro e/ou perderíamos o jantar. E nada de Seu Raul.
Às 14:30 começamos nossa jornada até Changalane a pé, mas ela não duraria muito. O ritmo tinha que ser acelerado pela falta de tempo, só que a dor assolava Elea. Ela estava com cólica.
Não havia alternativa, diminui o ritmo e passamos a andar vagarosamente. Não demoro muito pra eu tomar uma decisão:
Eu (normal): Bocó, acho melhor você voltar e eu ir, porque não vai dar tempo nessa velocidade.
Ela (cabisbaixa): Mas eu não quero que você vá sozinho. Não quero que você seja que nem o Gabriel do Malaui. Vai ficar perdido.
Eu (falando por falar): Não vou me perder, é só ir reto. Todo mundo fala.
Ela (argumentando aflitamente): Pára, não é assim. Eu prefiro fica junto. A gente volta e vai amanhã. Prefiro.
Caminhamos mais um pouco e paramos novamente.
Eu (olhando pro relógio): Vamos voltar, desse jeito não dá. Se for pra ir desse jeito melhor fica pra não dá problema. Melhor voltar.
Ela (me contrariando pra variar): Não, então você vai sozinho. Se for pra você fica depois falando que era melhor ir hoje eu prefiro que vá sozinho.
Eu (entrando em um acordo): Então liga pra Ivone e vê se ela pode ver a gente amanhã. Caso contrário, vou hoje.
A minha sorte é que a gente só tinha andado uns 50 metros quando a Elea aceitou ficar depois de ligar pra Ivone e descobrir que na sexta não ia dar pra se encontrar.
Às 14:40 pegava a bicicleta com o “recém-encontrado” Seu Raúl ; o passaporte, celular e dinheiro com a Elea; e, enfim, partia. Sozinho.
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