sexta-feira, 23 de julho de 2010

Última semana em Chanagalane

O tempo passou muito rápido nos últimos seis meses - talvez um ano. Eu até diria que "parece que foi ontem que cheguei", mas tanta coisa aconteceu que acho difícil, inclusive, caber tudo em tão pouco tempo.

Mas agora é isso. Nada de arrependimentos, de especulações do passado. É hora de fazer a contagem regressiva e dar o último fôlego nessa última semana nossa aqui em Changalane.

As aulas com o curso de Desenvolvimento Comunitário continuam normalmente. Segunda-feira, vamos realizar estudos de caso com os alunos para entendermos a situação de pobreza em diferentes países.

Em relação ao projeto na comunidade, essa semana foi perdida porque a chefe do Posto ficou doente. Da última vez que falamos com ela, ela contou que já tinha mobilizado as 20 mulheres mais carentes de Changalane para participarem da cooperativa de bordado e as escolas estavam avisadas da intenção que tínhamos de ensinar a atividade para as meninas também.

Nosso plano é construir fogões poupa-lenha com a comunidade com os tijolos produzidos por ela. Como não vai dar tempo de concluirmos todos, vamos deixar o material comprado e nosso grupo de clandestinos junto com a chefe do posto vão garantir que ele seja usado. A cooperativa vai funcionar de forma semelhante. Vamos comprar os materiais no próximo fim de semana e deixar com o grupo, que vai dar as aulas de bordado e tocar o projeto pelos próximos seis meses, no mínimo.

Por ora, fico no quarto bagunçado, com preguiça de arrumar porque daqui a pouco já é hora de fazer as malas.

Quinta que vem é nossa festa de despedida por aqui. No sábado, queremos ir comer feijoada (de verdade) com alguns alunos nossos que já consideramos amigos. E então, no dia 7, partimos rumo a Jo'burgh, onde tudo começou...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O dia em que Gabriel atravessou a Savana após uma noite de chuva com uma bicicleta sem freio e sem saber o caminho de volta – parte I

Essa é uma história épica, com despedidas e promessas, partidas e chegadas, travessias e pedaladas.

O herói: um muzungu com senso de direção, mas sem noção do caminho certo. O ajudante: uma bicicleta dos anos 80 sem freio. O local: a savana africana após uma noite de chuva. A missão: chegar em Chagalane se reunir com a Chefe do Posto e voltar a tempo do jantar. O prêmio: uma coca-cola.

14:00 horas e o nosso herói, eu, ainda se encontrava na OWU se preparando para ir a Changalane, em uma decisão que havia tomado em pouco menos de dez minutos. O motivo da ida era simples, afinal, caso não fosse hoje quem sabe quando poderia me reunir com a chefe do posto para acertar direitinho o começo de nossos projetos da cidade? Porém, dessa vez seria diferente.

A idéia inicial era pegar duas bicicletas para dar tempo de voltar para a janta às 18:00. Com isso teríamos que ir e voltar sozinhos, já que os alunos não podem pegar bicicletas sem autorização (as reuniões com a chefe são secretas, lembra?). Eram 14:15 quando fomos ao encontro de Seu Raul, o senhor das bicicletas.

Seu Raul fica pertinho do nosso quarto, e fica na rua de terra que marca o começo de nossa jornada. O barraco de chapa de zincos é onde geralmente descansa, mas dessa vez não estava lá.

O tempo passava e nada de Seu Raul, o único detentor da chave da barraca das bicicletas, nada podíamos fazer sem ele. Seu José, motorista do projeto, se esforçou para descobrir o paradeiro do dito cujo. O método era gritar “Raúl” aleatoriamente. Eficácia questionável, mas bem intencionado.

O relógio já marcava 14:25 e não sabíamos o que fazer. Caso fossemos a pé, duas horas e meia ida e volta, e nos reuníssemos com a chefe, e ela fala muito, muito provavelmente voltaríamos no escuro e/ou perderíamos o jantar. E nada de Seu Raul.

Às 14:30 começamos nossa jornada até Changalane a pé, mas ela não duraria muito. O ritmo tinha que ser acelerado pela falta de tempo, só que a dor assolava Elea. Ela estava com cólica.
Não havia alternativa, diminui o ritmo e passamos a andar vagarosamente. Não demoro muito pra eu tomar uma decisão:

Eu (normal): Bocó, acho melhor você voltar e eu ir, porque não vai dar tempo nessa velocidade.

Ela (cabisbaixa): Mas eu não quero que você vá sozinho. Não quero que você seja que nem o Gabriel do Malaui. Vai ficar perdido.

Eu (falando por falar): Não vou me perder, é só ir reto. Todo mundo fala.

Ela (argumentando aflitamente): Pára, não é assim. Eu prefiro fica junto. A gente volta e vai amanhã. Prefiro.

Caminhamos mais um pouco e paramos novamente.

Eu (olhando pro relógio): Vamos voltar, desse jeito não dá. Se for pra ir desse jeito melhor fica pra não dá problema. Melhor voltar.

Ela (me contrariando pra variar): Não, então você vai sozinho. Se for pra você fica depois falando que era melhor ir hoje eu prefiro que vá sozinho.

Eu (entrando em um acordo): Então liga pra Ivone e vê se ela pode ver a gente amanhã. Caso contrário, vou hoje.

A minha sorte é que a gente só tinha andado uns 50 metros quando a Elea aceitou ficar depois de ligar pra Ivone e descobrir que na sexta não ia dar pra se encontrar.

Às 14:40 pegava a bicicleta com o “recém-encontrado” Seu Raúl ; o passaporte, celular e dinheiro com a Elea; e, enfim, partia. Sozinho.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cooperativa e cisternas

Voltei. Depois de um grande período de inatividade neste blog eu voltei com boas novas, nem eu acredito que enfim conseguimos avançar.

Enfim, nosso grupo clandestino (4 alunos que estão trabalhando em segredo conosco para
implementar alguns projetos na comunidade) estão trabalhando bem, só que ainda são muito perdidinhos, como era de se esperar. Mesmo assim eles estão aprendendo rápido e estão muito participativos, o que nos motiva também.

O mais legal, porém, é que ontem conversamos prolongadamente com a Chefe do Posto Administrativo de Changalane, a prefeita, e traçamos planos e metas, e algumas ideias a desenvolver.

O encontro só foi possível agora porque ela tirou férias de um mês e voltou na segunda. Como nos falta apenas um mês de África, nós decidimos chutar o pau da barraca e fazer tudo contra a vontade da direção do nosso projeto sem temer qualquer tipo de retaliação (como uma transferência para um outro estado).

A conversa com Dona Ivone, chefe do posto, girou em torno de alguns projetos, mas principalmente a de produção de tijolos. A própria já começou certa vez essa produção, porém a falta de profissionalismo das pessoas impediram o projeto de avançar. Segundo a chefe, toda vez que aparecia alguém e oferecia uma miséria pra pessoa fazer um serviço, a pessoa largava o trabalho e ia trabalhar para um outro. Consequentemente a produção parava por diversas vezes e as encomendas raramente eram entregues. Com o passar do tempo ela conseguiu solucionar o problema, mas ainda não conseguiu reativar o projeto.

Ela mostrou que sem um subsídio, a pessoa sempre iria parar de trabalhar na produção dos tijolos para fazer outra coisa, então ela deveria ser remunerada no início independentemente da produção para não se sentir tentada a fazer outras coisas.

A ideia do subsídio não nos atraiu, mas sabíamos que algum incentivo devia se estabelecido para que essas pessoas trabalhassem de verdade. A solução então veio de uma ideia que tivemos no evento do post abaixo.

Em Changalane um dos maiores problemas, senão o maior, é a falta d’água. Nessa época do ano a falta de chuvas machuca demais a população. Como ela não tem capacidade de armazenamento da água das raríssimas chuvas que caem ou armazenar a água do rio que se localiza a vinte minutos de caminhada, muitas famílias ficam sem água ou com poucos baldes para tudo. O que acontece é que a água em que a criança toma banho é utilizada pra cozinhar e assim por diante, levando a uma situação de higiene precária. Logo, a nossa ideia é construir cisternas familiares com a produção de tijolo local.

As cisternas são bastante simples de se fazerem, para se fazer uma necessita-se de 400 tijolos em média, 2 sacos de cimento e arames. Essa cisterna suporta um volume de mais de 220 litros. O que faremos será recomeçar o projeto de tijolos e ao invés de pagar um subsídio aos trabalhadores para trabalhar, nós encomendaremos tijolos para em seguida construir cisternas nos locais mais apropriados da cidade. Idealmente uma cisterna seria utilizada por uma família. O custo da cisterna ficaria aproximadamente 140 reais.

O projeto de artesanato também será executado, a diferença é que o de bordados também será ensinado a meninas com mais de doze anos e o de móveis de palha está tendo seu orçamento revisto para ser aprovado ou não. Os custos ainda são um pouquinho altos para nós e é uma atividade de “exportação” que não atenderá as demandas da comunidade, visto que os produtos possuem um preço final muito acima do poder de compra local.

Hoje finalizaremos o orçamento, especialmente para a construção de cada cisterna e mais tarde posto um novo texto sobre o assunto com previsões para o início das atividades e algumas outras informações.

Abs a todos e saudades,
Gabriel

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Posto esquecido - ou evento em Changalane (Fotos!!) Parte 2

O Gabriel reclamou que não coloquei foto dele. Então essa é a segunda parte do post com fotos do evento.

Esssas mulheres faziam parte do projeto e nele aprenderam técnicas de agricultura. Elas não moram em Changalane, ficam em uma vila mais distante e isolada ainda, chamada Individuane.

A peça de teatro dos Combatentes falava sobre beber e usar água segura, com foco na prevenção da cólera, já que esse é um problema muito recorrente nessa zona.

Essa menina de amarelo grudou em nós dois. O nome dela é Agnas, ela tem seis anos e uma irmã mais velha que estava apresentando uma dança com a escola.

Esse era o nosso público. Mulheres simples das comunidades próximas que estiveram junto ao projeto para aprender a cuidar melhor de suas machambas (nome dado às hortas/fazendas) com o intuito de dar uma alimentação mais saudável a suas famílias e também gerar uma renda ao vender seus produtos.

domingo, 4 de julho de 2010

Nossa turma de 2009

No último dia de ano letivo dos Combatentes da Pobreza 2009, os alunos fizeram festa. Parecia fim de ano no Brasil, quando as férias duram dois meses, alguns mudam de escola, outros viajam para bem longe. Só que, ao invés disso, a turma recebeu apenas uma semana de dispensa.

Como nosso trabalho no projeto era basicamente só com eles até então, pedimos para que nos liberassem para "uma semana de investigação". Bom, fizemos nossa investigação, só que bem longe, em Durban, África do Sul.

Mas antes, tivemos que bancar de fotógrafos para os estudantes...



 Cecília, seu penteado de Beyoncé e Loisa.


Julião, Clara, Rui e a placa


A turma de Combatentes 2009 e nós dois!!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Muito tempo depois...

Uma internet muito ruim, um pouco de desânimo, um pouco de preguiça, um pouco de estagnação. Fiquei muito tempo sem aparecer por aqui, mesmo tendo prometido a mim mesma e aos amigos e familiares no Brasil que isso não aconteceria.

Pra ser sincera, toda a história de desencontros e desentendimentos com a diretora imbecil do projeto nos abateu um pouco. Tiramos férias de uma semana, fomos à Copa do Mundo e voltamos com um pique diferente.

Resolvemos fazer as coisas às escondidas mesmo e realizar nosso projeto de atividades comunitárias com os alunos mesmo sem ter o apoio da direção. Conversamos com eles e explicamos toda a situação, a impossibilidade de diálogo e menos ainda de encontrarmos uma solução que satisfizesse ambas as partes – conversar com aquela dinamarquesa é como tentar convencer uma parede branca e mudar de cor para azul celeste.

Estávamos animados com a ideia de conversar com os alunos e confiantes de que eles topariam fazer os projetos em horas vagas. Porém, esquecemos um detalhe básico: o medo que eles nutrem em relação à direção. Como resposta aos nossos planos, recebemos apoio total, mas ninguém parecia querer se arriscar e a palavra final foi de que ninguém faria parte do projeto sem o aval da diretora.

Dez minutos mais tarde, uma aluna procurou o Gabriel e o levou para uma sala de aula, onde mais dois estudantes esperavam. Um quarto aluno chegou ainda antes de eles apresentarem suas idéias de projetos de geração de renda para implementar com as comunidades. Nós tínhamos um grupo de “clandestinos” que aceitaram nossa proposta.

Ontem à noite, realizamos nossa segunda reunião escondida com eles e começamos a montar um orçamento para um projeto a ser implementado – inicialmente, eram dois, mas um deles se mostrou economicamente inviável e insustentável. Aquele aprovado por nós é a criação de uma cooperativa de artesanato com duas atividades principais. Uma é voltada às mulheres, prevendo a produção de peças bordadas. A outra é para homens, que devem produzir mobílias de palha – muito bonitas, baratas de se fazer e vendidas com cerca de 150% de lucro.

Com essas ideias simples, poderemos ajudar 11 famílias pelo menos, já que haverá dez membros na cooperativa, mais um mestre para ensinar os afazeres. E a parte boa é que esse projeto é de fácil implementação uma vez que os materiais necessários já estiverem comprados. E a partir daí, poderemos partir para outras atividades com esses mesmos alunos.

Domingo devemos ter uma reunião com a líder do posto administrativo de Changalane para discutir as ideias e receber sugestões.

Mudando um pouco de assunto, temos duas novas turmas de Combatentes para trabalhar aqui. Os alunos de 2008 voltaram do trabalho de campo, com exceção dos primeiros quatro que conhecemos em Cabo Delgado, que ainda estão no ônibus a caminho atravessando o país. Além deles, a turma de 2010 chegou segunda-feira à escola e começam as aulas na próxima semana. Vai ser interessante, especialmente porque os alunos de 2008 são bem enérgicos e impacientes com as sacanagens que a direção apronta com eles.

Em relação à turma nova, ainda tivemos pouco contato, mas já começamos a dar aulas sobre o papel dos combatentes na comunidade, definições de pobreza e as conseqüências dela para o indivíduo e a sociedade. Além disso, teremos um clube de filmes semanal para debatermos temas diversos. O primeiro filme vai ser “Quem quer ser um milionário”, por motivos óbvios.

Ao mesmo tempo em que isso tudo acontece, a saudade de casa vai aumentando e a contagem regressiva já começou. Pretendemos viajar uma semana mais ou menos antes de voltar, então temos cerca de um mês restando aqui no projeto em si. Em breve, escrevo sobre a Copa do Mundo, posto fotos do estádio e da turma de combatentes de 2009 no último dia de ano letivo e informo sobre o andamento do projeto clandestino.