sexta-feira, 23 de julho de 2010

Última semana em Chanagalane

O tempo passou muito rápido nos últimos seis meses - talvez um ano. Eu até diria que "parece que foi ontem que cheguei", mas tanta coisa aconteceu que acho difícil, inclusive, caber tudo em tão pouco tempo.

Mas agora é isso. Nada de arrependimentos, de especulações do passado. É hora de fazer a contagem regressiva e dar o último fôlego nessa última semana nossa aqui em Changalane.

As aulas com o curso de Desenvolvimento Comunitário continuam normalmente. Segunda-feira, vamos realizar estudos de caso com os alunos para entendermos a situação de pobreza em diferentes países.

Em relação ao projeto na comunidade, essa semana foi perdida porque a chefe do Posto ficou doente. Da última vez que falamos com ela, ela contou que já tinha mobilizado as 20 mulheres mais carentes de Changalane para participarem da cooperativa de bordado e as escolas estavam avisadas da intenção que tínhamos de ensinar a atividade para as meninas também.

Nosso plano é construir fogões poupa-lenha com a comunidade com os tijolos produzidos por ela. Como não vai dar tempo de concluirmos todos, vamos deixar o material comprado e nosso grupo de clandestinos junto com a chefe do posto vão garantir que ele seja usado. A cooperativa vai funcionar de forma semelhante. Vamos comprar os materiais no próximo fim de semana e deixar com o grupo, que vai dar as aulas de bordado e tocar o projeto pelos próximos seis meses, no mínimo.

Por ora, fico no quarto bagunçado, com preguiça de arrumar porque daqui a pouco já é hora de fazer as malas.

Quinta que vem é nossa festa de despedida por aqui. No sábado, queremos ir comer feijoada (de verdade) com alguns alunos nossos que já consideramos amigos. E então, no dia 7, partimos rumo a Jo'burgh, onde tudo começou...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O dia em que Gabriel atravessou a Savana após uma noite de chuva com uma bicicleta sem freio e sem saber o caminho de volta – parte I

Essa é uma história épica, com despedidas e promessas, partidas e chegadas, travessias e pedaladas.

O herói: um muzungu com senso de direção, mas sem noção do caminho certo. O ajudante: uma bicicleta dos anos 80 sem freio. O local: a savana africana após uma noite de chuva. A missão: chegar em Chagalane se reunir com a Chefe do Posto e voltar a tempo do jantar. O prêmio: uma coca-cola.

14:00 horas e o nosso herói, eu, ainda se encontrava na OWU se preparando para ir a Changalane, em uma decisão que havia tomado em pouco menos de dez minutos. O motivo da ida era simples, afinal, caso não fosse hoje quem sabe quando poderia me reunir com a chefe do posto para acertar direitinho o começo de nossos projetos da cidade? Porém, dessa vez seria diferente.

A idéia inicial era pegar duas bicicletas para dar tempo de voltar para a janta às 18:00. Com isso teríamos que ir e voltar sozinhos, já que os alunos não podem pegar bicicletas sem autorização (as reuniões com a chefe são secretas, lembra?). Eram 14:15 quando fomos ao encontro de Seu Raul, o senhor das bicicletas.

Seu Raul fica pertinho do nosso quarto, e fica na rua de terra que marca o começo de nossa jornada. O barraco de chapa de zincos é onde geralmente descansa, mas dessa vez não estava lá.

O tempo passava e nada de Seu Raul, o único detentor da chave da barraca das bicicletas, nada podíamos fazer sem ele. Seu José, motorista do projeto, se esforçou para descobrir o paradeiro do dito cujo. O método era gritar “Raúl” aleatoriamente. Eficácia questionável, mas bem intencionado.

O relógio já marcava 14:25 e não sabíamos o que fazer. Caso fossemos a pé, duas horas e meia ida e volta, e nos reuníssemos com a chefe, e ela fala muito, muito provavelmente voltaríamos no escuro e/ou perderíamos o jantar. E nada de Seu Raul.

Às 14:30 começamos nossa jornada até Changalane a pé, mas ela não duraria muito. O ritmo tinha que ser acelerado pela falta de tempo, só que a dor assolava Elea. Ela estava com cólica.
Não havia alternativa, diminui o ritmo e passamos a andar vagarosamente. Não demoro muito pra eu tomar uma decisão:

Eu (normal): Bocó, acho melhor você voltar e eu ir, porque não vai dar tempo nessa velocidade.

Ela (cabisbaixa): Mas eu não quero que você vá sozinho. Não quero que você seja que nem o Gabriel do Malaui. Vai ficar perdido.

Eu (falando por falar): Não vou me perder, é só ir reto. Todo mundo fala.

Ela (argumentando aflitamente): Pára, não é assim. Eu prefiro fica junto. A gente volta e vai amanhã. Prefiro.

Caminhamos mais um pouco e paramos novamente.

Eu (olhando pro relógio): Vamos voltar, desse jeito não dá. Se for pra ir desse jeito melhor fica pra não dá problema. Melhor voltar.

Ela (me contrariando pra variar): Não, então você vai sozinho. Se for pra você fica depois falando que era melhor ir hoje eu prefiro que vá sozinho.

Eu (entrando em um acordo): Então liga pra Ivone e vê se ela pode ver a gente amanhã. Caso contrário, vou hoje.

A minha sorte é que a gente só tinha andado uns 50 metros quando a Elea aceitou ficar depois de ligar pra Ivone e descobrir que na sexta não ia dar pra se encontrar.

Às 14:40 pegava a bicicleta com o “recém-encontrado” Seu Raúl ; o passaporte, celular e dinheiro com a Elea; e, enfim, partia. Sozinho.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cooperativa e cisternas

Voltei. Depois de um grande período de inatividade neste blog eu voltei com boas novas, nem eu acredito que enfim conseguimos avançar.

Enfim, nosso grupo clandestino (4 alunos que estão trabalhando em segredo conosco para
implementar alguns projetos na comunidade) estão trabalhando bem, só que ainda são muito perdidinhos, como era de se esperar. Mesmo assim eles estão aprendendo rápido e estão muito participativos, o que nos motiva também.

O mais legal, porém, é que ontem conversamos prolongadamente com a Chefe do Posto Administrativo de Changalane, a prefeita, e traçamos planos e metas, e algumas ideias a desenvolver.

O encontro só foi possível agora porque ela tirou férias de um mês e voltou na segunda. Como nos falta apenas um mês de África, nós decidimos chutar o pau da barraca e fazer tudo contra a vontade da direção do nosso projeto sem temer qualquer tipo de retaliação (como uma transferência para um outro estado).

A conversa com Dona Ivone, chefe do posto, girou em torno de alguns projetos, mas principalmente a de produção de tijolos. A própria já começou certa vez essa produção, porém a falta de profissionalismo das pessoas impediram o projeto de avançar. Segundo a chefe, toda vez que aparecia alguém e oferecia uma miséria pra pessoa fazer um serviço, a pessoa largava o trabalho e ia trabalhar para um outro. Consequentemente a produção parava por diversas vezes e as encomendas raramente eram entregues. Com o passar do tempo ela conseguiu solucionar o problema, mas ainda não conseguiu reativar o projeto.

Ela mostrou que sem um subsídio, a pessoa sempre iria parar de trabalhar na produção dos tijolos para fazer outra coisa, então ela deveria ser remunerada no início independentemente da produção para não se sentir tentada a fazer outras coisas.

A ideia do subsídio não nos atraiu, mas sabíamos que algum incentivo devia se estabelecido para que essas pessoas trabalhassem de verdade. A solução então veio de uma ideia que tivemos no evento do post abaixo.

Em Changalane um dos maiores problemas, senão o maior, é a falta d’água. Nessa época do ano a falta de chuvas machuca demais a população. Como ela não tem capacidade de armazenamento da água das raríssimas chuvas que caem ou armazenar a água do rio que se localiza a vinte minutos de caminhada, muitas famílias ficam sem água ou com poucos baldes para tudo. O que acontece é que a água em que a criança toma banho é utilizada pra cozinhar e assim por diante, levando a uma situação de higiene precária. Logo, a nossa ideia é construir cisternas familiares com a produção de tijolo local.

As cisternas são bastante simples de se fazerem, para se fazer uma necessita-se de 400 tijolos em média, 2 sacos de cimento e arames. Essa cisterna suporta um volume de mais de 220 litros. O que faremos será recomeçar o projeto de tijolos e ao invés de pagar um subsídio aos trabalhadores para trabalhar, nós encomendaremos tijolos para em seguida construir cisternas nos locais mais apropriados da cidade. Idealmente uma cisterna seria utilizada por uma família. O custo da cisterna ficaria aproximadamente 140 reais.

O projeto de artesanato também será executado, a diferença é que o de bordados também será ensinado a meninas com mais de doze anos e o de móveis de palha está tendo seu orçamento revisto para ser aprovado ou não. Os custos ainda são um pouquinho altos para nós e é uma atividade de “exportação” que não atenderá as demandas da comunidade, visto que os produtos possuem um preço final muito acima do poder de compra local.

Hoje finalizaremos o orçamento, especialmente para a construção de cada cisterna e mais tarde posto um novo texto sobre o assunto com previsões para o início das atividades e algumas outras informações.

Abs a todos e saudades,
Gabriel

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Posto esquecido - ou evento em Changalane (Fotos!!) Parte 2

O Gabriel reclamou que não coloquei foto dele. Então essa é a segunda parte do post com fotos do evento.

Esssas mulheres faziam parte do projeto e nele aprenderam técnicas de agricultura. Elas não moram em Changalane, ficam em uma vila mais distante e isolada ainda, chamada Individuane.

A peça de teatro dos Combatentes falava sobre beber e usar água segura, com foco na prevenção da cólera, já que esse é um problema muito recorrente nessa zona.

Essa menina de amarelo grudou em nós dois. O nome dela é Agnas, ela tem seis anos e uma irmã mais velha que estava apresentando uma dança com a escola.

Esse era o nosso público. Mulheres simples das comunidades próximas que estiveram junto ao projeto para aprender a cuidar melhor de suas machambas (nome dado às hortas/fazendas) com o intuito de dar uma alimentação mais saudável a suas famílias e também gerar uma renda ao vender seus produtos.

domingo, 4 de julho de 2010

Nossa turma de 2009

No último dia de ano letivo dos Combatentes da Pobreza 2009, os alunos fizeram festa. Parecia fim de ano no Brasil, quando as férias duram dois meses, alguns mudam de escola, outros viajam para bem longe. Só que, ao invés disso, a turma recebeu apenas uma semana de dispensa.

Como nosso trabalho no projeto era basicamente só com eles até então, pedimos para que nos liberassem para "uma semana de investigação". Bom, fizemos nossa investigação, só que bem longe, em Durban, África do Sul.

Mas antes, tivemos que bancar de fotógrafos para os estudantes...



 Cecília, seu penteado de Beyoncé e Loisa.


Julião, Clara, Rui e a placa


A turma de Combatentes 2009 e nós dois!!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Muito tempo depois...

Uma internet muito ruim, um pouco de desânimo, um pouco de preguiça, um pouco de estagnação. Fiquei muito tempo sem aparecer por aqui, mesmo tendo prometido a mim mesma e aos amigos e familiares no Brasil que isso não aconteceria.

Pra ser sincera, toda a história de desencontros e desentendimentos com a diretora imbecil do projeto nos abateu um pouco. Tiramos férias de uma semana, fomos à Copa do Mundo e voltamos com um pique diferente.

Resolvemos fazer as coisas às escondidas mesmo e realizar nosso projeto de atividades comunitárias com os alunos mesmo sem ter o apoio da direção. Conversamos com eles e explicamos toda a situação, a impossibilidade de diálogo e menos ainda de encontrarmos uma solução que satisfizesse ambas as partes – conversar com aquela dinamarquesa é como tentar convencer uma parede branca e mudar de cor para azul celeste.

Estávamos animados com a ideia de conversar com os alunos e confiantes de que eles topariam fazer os projetos em horas vagas. Porém, esquecemos um detalhe básico: o medo que eles nutrem em relação à direção. Como resposta aos nossos planos, recebemos apoio total, mas ninguém parecia querer se arriscar e a palavra final foi de que ninguém faria parte do projeto sem o aval da diretora.

Dez minutos mais tarde, uma aluna procurou o Gabriel e o levou para uma sala de aula, onde mais dois estudantes esperavam. Um quarto aluno chegou ainda antes de eles apresentarem suas idéias de projetos de geração de renda para implementar com as comunidades. Nós tínhamos um grupo de “clandestinos” que aceitaram nossa proposta.

Ontem à noite, realizamos nossa segunda reunião escondida com eles e começamos a montar um orçamento para um projeto a ser implementado – inicialmente, eram dois, mas um deles se mostrou economicamente inviável e insustentável. Aquele aprovado por nós é a criação de uma cooperativa de artesanato com duas atividades principais. Uma é voltada às mulheres, prevendo a produção de peças bordadas. A outra é para homens, que devem produzir mobílias de palha – muito bonitas, baratas de se fazer e vendidas com cerca de 150% de lucro.

Com essas ideias simples, poderemos ajudar 11 famílias pelo menos, já que haverá dez membros na cooperativa, mais um mestre para ensinar os afazeres. E a parte boa é que esse projeto é de fácil implementação uma vez que os materiais necessários já estiverem comprados. E a partir daí, poderemos partir para outras atividades com esses mesmos alunos.

Domingo devemos ter uma reunião com a líder do posto administrativo de Changalane para discutir as ideias e receber sugestões.

Mudando um pouco de assunto, temos duas novas turmas de Combatentes para trabalhar aqui. Os alunos de 2008 voltaram do trabalho de campo, com exceção dos primeiros quatro que conhecemos em Cabo Delgado, que ainda estão no ônibus a caminho atravessando o país. Além deles, a turma de 2010 chegou segunda-feira à escola e começam as aulas na próxima semana. Vai ser interessante, especialmente porque os alunos de 2008 são bem enérgicos e impacientes com as sacanagens que a direção apronta com eles.

Em relação à turma nova, ainda tivemos pouco contato, mas já começamos a dar aulas sobre o papel dos combatentes na comunidade, definições de pobreza e as conseqüências dela para o indivíduo e a sociedade. Além disso, teremos um clube de filmes semanal para debatermos temas diversos. O primeiro filme vai ser “Quem quer ser um milionário”, por motivos óbvios.

Ao mesmo tempo em que isso tudo acontece, a saudade de casa vai aumentando e a contagem regressiva já começou. Pretendemos viajar uma semana mais ou menos antes de voltar, então temos cerca de um mês restando aqui no projeto em si. Em breve, escrevo sobre a Copa do Mundo, posto fotos do estádio e da turma de combatentes de 2009 no último dia de ano letivo e informo sobre o andamento do projeto clandestino.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Evento em Changalane (Fotos!!)

Sábado passado foi realizado um evento de encerramento do projeto de Clube de Camponeses aqui perto da OWU. Como nós ajudamos muito nos ensaios, fomos assistir às apresentações de nossos alunos e aproveitar para tirar fotos...

Nessa primeira foto, estão as crianças da comunidade apresentando uma dança tradicional cujo o nome, infelizmente, fugiu da minha cabeça agora.

Nossos alunos dançando a makuaela (ou seja lá como se escreve), quando eles batem os pés pra fazer barulho e levantar muita poeira (literalmente) e cantam junto.

As crianças eram parte do público, como sempre. Nesse dia, tinha muita criança, muita. E elas foram as últimas a ir embora, porque ficaram dançando até beeem tarde - pra criança, né?

E eu de moçambicana!! Só falta aprender a enrolar esse pano gigantesco na cabeça sozinha. Porque convenhamos que o Gabriel nunca vai ter coordenação pra isso...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Histórias de um taxista

Como as histórias não eram poucas nesse dia, na volta de Maputo à Machava ficamos mais alguns minutos ouvindo relatos do passado. Dessa vez, era o taxista. Os taxistas aqui só conversam mais se você puxa assunto e eu entro no modo automático de “papo de boleia” toda vez que estou em um carro com desconhecidos. Nunca pegamos táxi, mas o horário, o trânsito e nossa localização pouco estratégica para arrumar carona nos obrigaram a isso.

Original da província de Gaza, Ernesto, nosso motorista, mora em Maputo desde 1972, antes mesmo da guerra da independência. Na época, a vida no campo, apesar de dura, era menos difícil do que na cidade e por isso seus pais sempre enviavam a comida produzida na própria machamba (pequenas fazendas), já que tudo era absurdamente caro a capital.

“Eu e minha esposa só sobrevivemos por causa da comida que meus pais enviavam. Todas as pessoas faziam assim, as famílias mandavam produtos das machambas do centro e do norte pra Maputo pros filhos que estavam aqui. Era sorte”.

Por que morar na cidade, então? Porque era em Maputo que se encontrava qualquer produto manufaturado. Cobertores, lençóis, panelas, sapatos, roupas...Tudo vinha da África do Sul, que já estava na frente do resto do continente.

Era na cidade também que o colonialismo se via ainda mais forte. Cada região de Maputo era destinada a determinado grupo de pessoas. O centro, mais conhecido como “baixa”, era habitado pelos indianos. A zona mais ao norte (acho que é norte, sou meio perdida nas direções) era onde ficavam os portugueses. E a “cidade de lata”, nos subúrbios, era o lugar para os negros morarem.

Patrão era sempre português, empregado era africano e os comerciantes eram os indianos. Tudo bem dividido. Para ninguém nem pensar em atrapalhar a ordem, quando o sol caía no horizonte, o policiamento saía nas ruas. Batiam, prendiam, maltratavam qualquer suspeito de estar se organizando contra a colônia.

Ernesto falava, contava as histórias, relembrava os abusos contra seus irmãos e sua voz mostrava sua indignação que já completou mais de três décadas. “Vocês no Brasil já não lembram do colonialismo, já esqueceram como era porque não tem ninguém mais que sofreu com aquilo. Aqui, não. Aqui todos se lembram e todos ainda sentem isso”.

Mas essa fase passou. Moçambique se tornou independente, ajudou na independência dos vizinhos e hoje vive em regime democrático – ou pelo menos tenta. Ernesto falava do primeiro presidente do país com muita admiração e respeito e ainda o comparou ao Presidente Lula que, segundo ele, tem todo o carisma que tem porque ajuda o povo e é sincero. “Não é qualquer trabalhador que consegue virar presidente. Ele é muito bom”.

Passamos o pedágio, superamos o trânsito e a corrida acabou. “Até mais, foi um prazer”, disse nos dando seu cartão. Nada, Ernesto. O prazer foi nosso, com certeza.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Post Importante: Projeto com a Comunidade

Em nossa rápida passagem pelo Brasil, antes de chegarmos a Moçambique, organizamos uma pizzada beneficiente para desenvolver projetos em Bilibiza, antecipando os problemas na obtenção de fundos aqui na África. Muitos amigos compareceram e conseguimos arrecadar cerca de 1250 dólares - 500 doláres foram utilizados para o pagamento da pizzada como previsto e o restante veio conosco.

Para os que não foram à pizzada, nós pedimos doações para a criação de projetos sustentáveis na vila de Bilibiza, implementação de atividades de geração de renda, e para a reforma da Escolinha, pré-escola da cidade. Estávamos confiantes de que o dinheiro seria empregado de boa maneira e sem maiores obstáculos.

Contudo, fiquei doente e tivemos que mudar de projeto. Perdemos um tempo considerável de trabalho, mas o pior foi ter que nos instalarmos em outro projeto e buscar utilizar o dinheiro arrecado de maneira eficiente em uma comunidade com necessidades totalmente diferentes.

Nas primeiras semanas, estávamos aflitos com a possibilidade de não utilizarmos o dinheiro apropriadamente ou não utilizarmos de maneira alguma. Paramos, respiramos e lembramos o que nós prometemos durante a pizzada.

"Nós iremos primeiro nos adaptar à vida na vila, depois iremos aos poucos identificar os problemas e as melhores soluções para depois implementar alguns projetos. Isso levará no mínimo dois meses."

Como ainda tínhamos 4 meses pela frente, resolvemos seguir nossas próprias recomendações. Nos habituamos à vida e ao convívio com nossos novos alunos. Em seguida, conhecemos a comunidade de Changalane e colocamos a nossa "obrigação" para com o dinheiro um pouco de lado.

Oficina Pedagógica e a ONG como obstáculo

Eis que na última segunda-feira visitamos a Oficina Pedagógica em Changalane. A Oficina é uma espécie de centro comunitário de nossa organização na vila. Infelizmente, está completamente abandonada pela organização e sobrevive da força de apenas alguns alunos.

Pensamos em várias maneiras de aproveitar o espaço, a possibilidade de enfim desenvolver o nosso trabalho com a comunidade parecia estar cada vez concreta. Contudo, o espaço era da organização, portanto qualquer dinheiro aplicado ao centro iria beneficiar a organização, e qualquer dinheiro necessário para manter os projetos que nós criaríamos teria que passar também pela organização. Em outras palavras, era um beco sem saída. Sabíamos da falta de comprometimento da organização com a Oficina e com seu comprometimento em "redistribuir" o dinheiro de projetos como este.

Seria mentira dizer que não fiquei um pouco triste ou frustrado com tudo isso. Novamente tive que lembrar de minhas palavras. Lembrei daquelas que tratavam de perseverança, determinação, força de vontade e ajuda divina. Recomeçamos.

No primeiro dia de nosso recomeço, compramos uma bola de futebol decente para nossos amigos e estudantes poderem ter um pouco mais de prazer em seus cotidianos tão controlados por uma diretoria ditatorial.

Pensei que era uma maneira de tirar a pressão de usar o dinheiro. Mais ou menos como o atacante sem moral que o time deixa bater o pênalti para ve se os gols começam a sair.

E não é que funcionou? Logo no segundo dia de nosso recomeço tivemos uma idéia. Melhor do que isso, tivemos "A Idéia".

A Idéia

Ela é bastante simples e eficaz. Respeita nossos ideias de criar um projeto gerido por moçambicanos, em que o conhecimento seja transferido para eles, além de tratar de problemas vigentes na comunidade de maneira prática e criativa.

Em linhas gerais este seria o projeto:
  • Temos 40 alunos, eles seriam divididos em dez grupos de 4 pessoas.
  • Cada grupo funcionaria como uma pequena organização e teria que desenvolver um projeto para a comunidade.
  • O projeto seria apresentado a nós. Caso seja necessário sofrerá modificações.
  • Eles então apresentariam o projeto como se estivessem buscando patrocínio em uma empresa.
  • Em seguida aprovaríamos o crédito de 1500 meticais ou 50 dólares para cada grupo.
  • O grupo seria responsável pelo dinheiro e todo os gastos seriam propriamente registrados e dispostos de maneira transparente para nós.
  • Durante a implementação do projeto eles receberiam checkpoints. O checkpoint consiste em um deadline para determinada fase do projeto. Por exemplo: primeiro checkpoint vai ocorrer uma semana após o recebimento do dinheiro e o grupo terá que contar com todo o material necessário para o começo das obras.
  • Após a conclusão de todos os projetos, nós avaliariamos o desempenho das equipes com base nos seguintes critérios:
1. Melhor aproveitamento dos recursos disponibilizados
2. Mobilização da comunidade na implementação do projeto
3. Quantidade de pessoas beneficiadas pelo projeto
4. Efemeridade do projeto
5. Atrasos em relação aos Checkpoints.
  • Por fim, os membros do grupo vencedor receberia 500 meticais cada, além de ter seu projeto estendido para outras comunidades ou famílias.
Essas linhas gerais já foram elaborados e um projeto contendo todas as datas, etapas e o modus operandi já foi elaborado. A idéia é que os estudantes aprendam a criar e desenvolver projetos com recursos escassos. Assim são praticamente forçados a contar com o apoio da comunidade e dessa maneira alguns membros da comunidade também aprenderão no processo.
O projeto é flexível e deve ser melhorado. Se você, leitor, tiver alguma sugestão seria muito bem-vinda. Pode deixá-la em nossos comentários, favorecendo o debate.

Agora vamos aos nossos obstáculos, só para variar um pouco.

O absurdo

Nós possuimos apenas um obstáculo: fazer com que a "Universidade"em que trabalhamos libere seus alunos para se focarem neste projeto algumas noites na semana. Detalhe: as noites já são praticamente livres quando não deveriam ser.

Para passar por esse problema, nos reunimos ontem à noite com uma peruana que responde diretamente à diretora, uma louca dinamarquesa. A peruana se chama Marisela e gosta muito desse tipo de iniciativa. Ela foi super favorável e ficou super agradecida pelo apoio. Prometeu falar esta manhã com a diretora antes que ela viaje para o México, onde ficará por uma semana.

Hoje de manhã Marisela veio nos relatar o que aconteceu. O plano era que ela abrisse o caminho para nós apresentarmos tudo em detalhes. Porém, a doida achou um absurdo e disse que nós estávamos tentando destruir o projeto dela. Marisela falou que ficou chocada e tentou mostrar que não tinha nada a ver com isso, mas a velha teimosa disse que este projeto ia contra o currículo da faculdade no presente momento e só aceitaria com as seguintes condições:

Apenas 7 alunos desenvolveriam o projeto. Cada aluno teria que trabalhar com uma família e eles teriam que dividir todo o dinheiro entre eles.

Nós já nos mostramos totalmente contra essa idéia. A Elea imediatamente escreveu um texto de duas páginas mostrando como o projeto vai de encontro ao que eles estão estudando agora: Parcerias e pesquisa para implementação de projetos.

Vamos apresentar a ela novamente. Agora é esperar e ver.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Conversa com deputada e a mulher moçambicana

Quando Nyelete me ligou cancelando nossa visita à Assembleia da República, uma ponta de frustração bateu em mim. Deveríamos passar a tarde no órgão, conversando com quatro deputadas sobre a condição da mulher em Moçambique. Contudo, o dia ainda não estava perdido e fomos nos encontrar com Ana Rita Sithole, parlamentar em seu quarto mandato já.

Alta, magra e de pele relativamente clara para os padrões moçambicanos, Ana Rita chegou e logo me senti aliviada por ter optado por minha roupa ocidental ao invés da capulana na cintura e na cabeça. Afinal, ela disse que se sente obrigada a vestir a roupa tradicional por alguns ainda verem com maus olhos mulheres usando calças.


Os costumes e as tradições se chocam diariamente contra a grande participação política feminina em Moçambique. Enquanto aproximadamente 40% das cadeiras do parlamento do país são ocupadas por mulheres, as diferenças de acesso à educação entre os gêneros ainda são gritantes: a taxa de analfabetismo, por exemplo, é de pouco menos de 50% entre os homens, mas entre as mulheres é de 66%.

Por isso, Ana Rita defendeu veementemente que dar uma base educacional às mulheres é o ponto chave que está faltando para que haja a total emancipação feminina no país. A participação política já está garantida desde a luta pela independência de Portugal, quando a OMM (Organização da Mulher Moçambicana) surgiu para dar mais voz às mulheres, que participaram, inclusive, da luta armada.

Desde essa época, Ana Rita está na política. Passou pelo colonialismo, pela independência, pela guerra civil, pelas primeiras eleições presidenciais e pela aprovação da Lei Família, que mudou algumas injustiças machistas ainda legais até 2004. Na lei anterior, as esposas não tinham direito à herança dos maridos, não podiam decidir pelo direito dos filhos sem pedir autorização do homem e perdiam a nacionalidade moçambicana caso se casassem com estrangeiros.

Um longo caminho ainda precisa ser traçado. A mulher ainda sofre discriminação, não tem acesso ao crédito para melhorar de vida e é excluída de certos cargos de liderança. A própria Ana Rita passou por isso. Em um de seus mandatos, foi indicada para presidir uma comissão parlamentar. Um dia depois, lhe informaram que o presidente seria outra pessoa, um homem, para atenuar o desconforto de ter tantas mulheres presidindo comissões.

As raízes culturais são fortes e difíceis de se quebrar, mas quando se fala em participação política e liderança feminina, Moçambique está alguns anos na frente do Brasil. E realmente acredito que isso vai melhorar muito mais cedo que qualquer outro problema por aqui.

Ps: A imagem está distorcida. Ainda não descobri o que faz isso acontecer às vezes, mas é só clicar nela que abre direitinho.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A Convocação

Creio que o tempo longe nos torna bem mais patriotas.

Todos os dias os combatentes, assim como os formadores, possuem 2 horas “livres” nas quais eles são obrigados a trabalhar na Machamba (fazenda) ou praticar algum desporto. Segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira são os dias para ir à Machamba, já terça-feira e quinta-feira são os dias do Desporto. Entenda-se futebol.

Essa terça-feira, porém, era especial. Era dia da convocação da seleção brasileira. Sim, aquela de “Gaúcho e dos dois putos do Santos” como diria Izildo, um dos alunos. Coincidência ou não, a convocação seria justamente às 18 horas no horário local, ou seja, na hora de nossa janta. Justamente após nossa pelada.

A conversa então não poderia ser outra: quem estará na lista de Dunga? Começaram pelos laterais. Aqui Dani Alves é idolatrado e ninguém acredita que é reserva de Maicon. Mas Pedro, outro aluno, está feliz, a final de contas Maicon é da sua Inter como o goleiro Julio César e Lúcio. Aqui eles têm o hábito de acompanhar os jogos da “Xampions” e torcem muito. Basta dizer que Pedro passou a pelada gritando Itália.

Completando a zaga Izildo, novamente, se manifestou: “tem que ter Luisão!”. Ele como bom torcedor do Benfica joga todas as semanas com a camisa do Porto. Segundo ele, a camisa do Benfica tem que ficar guardada e a do Porto é pra sujar.

Quando começaram a escalar os “médios”, Felizberto, lembrou de Marcelo na lateral-esquerda. Uma discussão fervorosa começou e eu só fiquei na torcida para que eles não recorressem a mim. Afinal, se quem tá no Brasil não sabe, como eu poderia saber os laterais da seleção?

Outra curiosidade é que os moçambicanos possuem times portugueses, ou melhor, torcem para Benfica, Sporting de Lisboa ou Porto. Logo, “aquele escurinho, médio do Benfica” também deveria ser chamado de acordo com Seu Francisco, o mais velho presente. Em seguida convocaram Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Finalmente intervim: “ele não vai não”.

Délcio logo resmungou: “não pode, tem que ir! Por que não vai?”. Expliquei que ele não passa pela sua melhor fase, eles não entenderam.

Expliquei que ele já tem muito dinheiro e não quer saber de futebol, entenderam e deram razão a ele. Izildo continuou inconformado e disse pela segunda vez: “Sem Gaúcho, não é Copa”.

Juro que ele não sabe nada da entrevista de Ronaldinho há cerca de uma semana em que dizia justamente a mesma coisa.

A conversa ainda passou por Adriano, a convocação de Deco e Liedson para Portugal até chegar em Neymar e Ganso. Como eu os fiz assistir às finais do Paulistão, eles se impressionaram com o futebol dos dois.

Especialmente com o camisa dezessete, o “gajo que falou que do campo não saia”para o técnico. Felizberto logo disse que eles eram muito jovens enquanto que Izildo, que gosta do futebol bem jogado falou: “Mas aqueles dois putos do Santos jogam muito bem, o que idade tem a ver?”.

E com isso o resto do time chegou e conversa acabou.

Jogamos, tomamos banho e voltamos para a sala de jantar. Lá poderíamos acompanhar a convocação pela Globo Internacional.
Frustrantemente, o canal estava passando um programa feminino da GNT. Esperamos inquietamente o fim do programa com a pequena esperança de haver um atraso na transmissão. Meia hora depois tudo se resolve. Começa o Globo Esporte com a promessa da convocação da Seleção. Dez minutos depois, enfim, ela começa.

Os goleiros: Júlio César (óbvio), Gomes (juro que pensei que Doni estava descartado e que surpresas estavam para pintar) e por último: “Victor! Quer dizer, Doni!”. Como eu fiquei nervoso com isso. A partir daí parei de prestar atenção no que estava acontecendo a minha volta.

Neste momento sabia que qualquer coisa era possível, especialmente as surpresas. Não que elas fossem boas.

Os laterais passaram e eu não tive muito o que me queixar. Duas escolhas óbvias para direita e duas seguras para esquerda. Pera aê! E a vaguinha do Ganso? Vai ficar no lugar do Kleberson.

Os zagueiros passavam, nada de Thiago Silva. Ufa! Era o último nome logo após de Luisão do Izildo e da dupla titular Juan e Lúcio. Fiquei aliviado, pensei que Dunga tinha recobrado sua sanidade. Mas, imediatamente fiquei preocupado, pensei que Dunga tinha recobrado sua sanidade.

Os “médios”, ou melhor, os volantes foram sendo mostrados um a um. Quando Kleberson apareceu perdi o controle. Ganso não vai! Xinguei Dunga como há muito não xingava um técnico. Foi quando lembrei que estava em Moçambique e aqui palavrão só em língua local.

Os avançados eram minha esperança. Uma surpresa, só uma: chama o Neymar. E não que Dunga me surpreendeu? De maneira teimosa e infantil resolvi chamar Grafite. Aposto que se todos quisessem o Grafite ele chamaria o Neymar. Nada contra o Grafite, só que ele e o Nilmar jogam na mesma posição. Quem vai substituir o Robinho?

Quando o último nome foi revelado todos ficaram quietos como a esperar minha reação. Não me contive e desabafei: “Que seleção de merda! E sabe qual é o pior? É que vai ganhar!”. Eles riram e a discussão começou.

Para aqueles que gostam de imagens

Sei que muita gente gosta de fotos e não tem paciência pra ler toda balela que nós escrevemos aqui. Então, hoje vai ter mais um post só de fotos que tiramos na última sexta-feira. No próximo, vamos tentar contar a história de um sul-africano que foi guerrilheiro contra o Apertheid e hoje é aluno aqui na OWU.


Casinha de sapê e pés descalços voltando pra casa depois da aula.


 Tentei tirar foto dessa mulher umas cinco vezes. Toda vez que ela percebia, escondia o resto nesse pano azul. Uma das vezes, a imagem dela parecia até a de uma santa. Tanto fiz que consegui uma foto, enquanto ela seguia uma música com palmas.



 O irmão mais novo nas costas. Sempre o bebê nas costas, não importa a idade da criança que leva, nem da criança que é levada.


A mãe e o bebê enrolado em uma capulana. Pra quem não sabe, capulana é o nome dado pra um pano que eles usam pra tudo aqui e que lembra um pouco nossa canga de praia (eu disse um pouco).



domingo, 9 de maio de 2010

O plano a seguir

Finalmente, esta semana que começa será nossa última como responsáveis pelas aulas de inglês. Primeiro, tivemos uma semana com os alunos do curso de formadores e entramos agora na terceira semana de aula com os estudantes do curso de combate à pobreza.

Os alunos são todos muito interessados, mas eu, particularmente, me identifico mais com a turma de agora. Pensar que estamos trabalhando e contribuindo com a formação de agentes comunitários, de pessoas que querem unir forças com a população moçambicana para mudar a realidade do país, me deixa muito feliz. Ainda mais quando temos oportunidades de criar um debate com eles, como dando um curso sobre ativismo, como apresentar um projeto comunitário, direitos da mulher, microcrédito.

A partir da semana que vem, vamos continuar dando apenas estas aulas com assuntos diversificados que influenciam diretamente no trabalho que eles têm a desenvolver, além de ajudar com clubes de estudos e debates à noite. Mas o mais legal mesmo é fora da escola...



Vamos, finalmente, passar bem mais tempo na comunidade de Changalane. A chefe do posto administrativo, bem como outros líderes locais, já se manifestaram a favor da nossa presença e se mostraram abertos a idéias e projetos para melhorar a vida da população. Vamos conversar com eles e ver onde precisam mais de nosso apoio.

Os problemas daqui são bem diferentes aos de Bilibiza, que era mais uma tribo com pouco contato com o mundo externo. Changalane, por sua vez, lembra um pouco as cidadezinhas extremamente pequenas do nordeste brasileiro, só que menor ainda, eu acho. Um dos maiores problemas que existe é a falta de água para beber, plantar, criar animais. A estação seca que começou agora só faz piorar a situaçao.



Enquanto não encontramos uma solução para isso, vamos trabalhar num prédio que a ADPP tem lá conhecido como "Oficina Pedagógica". A idéia era ser um lugar para as pessoas aprenderem a usar computador e terem aulas de inglês, inicialmente. Mas não estão sabendo tocar o projeto direito e eu e Gabriel queremos ajudar e implementar outras coisas, como uma criação de aves para consumo local, um clube com as meninas e ajudar a criar atividades de geração de renda com as famílias, dando um empurrãozinho com o dinheiro inicial.



Outra coisa que vamos tentar copiar de um outro voluntário é dar certidão de nascimento para as crianças de Changalane. A certidão é gratuita para os menos favorecidos, mas o isolamento da população e a falta de informação dificulta. Entrando em contato com o cartório de Maputo e arrumando transporte para os funcionários, é possível trazer o cartório a Changalane e realizar tudo daqui mesmo.

Estas são algumas das idéias que tivemos até agora, mas, como falei, semana que vem vamos conversar por lá e ver quais são as maiores necessidades mesmo. Por ora, espero que gostem das fotos.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Primeiras fotos de Changalane

Prometi, demorei, mas aí embaixo estão algumas fotos da vila de Changalane. São poucas porque a vila é pequena, mas ocupa uma área muito grande porque é toda espalhada. Tudo fica longe.

As fotos estão distorcidas, tentei e tentei arrumar, mas só uma ficou boa realmente. Mas se clicar,  elas vão abrir grandes e vocês podem ver melhor e sem distorções.


Essa é uma casa velha, mas incrivelmente uma das melhores que se vê por lá.


As crianças carregando água para suas casas. A seca atrapalha muito a região e é um dos maiores problemas para os agricultores.



Essa é uma das crianças que ficaram doidas quando viram a câmera comigo.

O posto administrativo de Changalane. O que seria um tipo de prefeitura da vila.

Uma das senhoras que andavam descalças pela vila. Vestimenta típica das mulheres moçambicanas, em especial na área rural: na cintura, sua capulana; na cabeça, o lenço.

domingo, 25 de abril de 2010

Cena de Changalane

7h20 da manhã. Vento forte, frio de começo de dia, igualzinho a São Paulo. Passo no lugar de se lavar roupa para deixar tudo de molho no tanque. Dois alunos do curso de Formadores, ambos angolanos, já estão lá limpando os lençóis. Um só conta causos sobre a guerra civil. Só peguei um fragmento:

- Durante a guerra, em Luanda era complicado também. Quando as pessoas do sul chegavam lá, os outros já se punham a gritar e apontar “Sulanos, sulanos!”. Uma vez, um homem estava no aeroporto e alguém percebeu pela maneira de falar que ele não era de lá. “Sulano, sulano”, começaram. O moço tirou uma pistola de dentro da roupa e atirou. Matou dois, só de raiva.

E continuava...

- Antes de mudar para a cidade, morava no interior em uma aldeia. Até que os soldados chegaram lá e se assentaram para fazer o registro de todos: tinha que ter data de nascimento de todos, data de casamento dos casais, nomes dos filhos. Queriam saber para ter controle na hora de atacar. Foi quando decidi ir embora. Falei pra minha mãe: “Se quiser ficar, vocês ficam. Mas eu não vou ficar a esperar alguém me matar”. E fui pra cidade e não encontrei mais eles.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Primeira matéria daqui

"Nuvem cinzenta paira sobre a Copa da África"

Ladies and gentlemen, The Beatles!

Os primeiros acordes de John e George começaram junto com a letra da canção de Paul sobre “Olá”, “Adeus”. Eles mal ressoaram pela sala e os olhos que acompanhavam as palavras em língua desconhecida no papel já levantaram e olharam espantados para o computador, a fonte daquele som diferente, vivo, novo para eles, mas tão antigo para mim.

Mais alguns versos e muitos já começaram a balançar o corpo, se deixando guiar pela levada fácil. E na segunda vez que o refrão tocou, algumas vozes já arriscavam cantar junto, cativadas pela música, mesmo sem conhecerem direito a melodia ainda ou a pronúncia das palavras.

É quase desnecessário dizer que pediram para que a canção fosse repetida para aprenderem melhor as palavras, o ritmo. E dessa vez, as vozes já soavam mais confiantes, altas, agudas, felizes. “Agora vamos cantar sem o computador. Só nós”. 1,2,3...Eu digo sim, você diz não e adeus.

Eram as vozes que tanto cantam as músicas tradicionais e ritualísticas em línguas locais diferentes se unindo, em inglês, para cantar uma das composições eternizadas desse quarteto britânico. E a mistura foi linda, algo que essa branca ocidental, mulungo, muzungo, kunha, não saberia nunca descrever.

Eu não me lembro quando fui apresentada aos Beatles. Afinal, eles sempre estiveram lá, muito antes de eu sequer pensar em nascer. Mas eu tenho certeza que nunca vou esquecer as expressões de surpresa e de alegria nos rostos desses angolanos e moçambicanos quando escutaram Beatles pela primeira vez na vida. Essas expressões que já funcionam como se fossem minhas.

Ps: Quando planejei dar Beatles na aula de inglês, era para começar com os alunos me falando o que sabiam sobre a banda. Dá pra imaginar minha cara quando só obtive silêncio ao perguntar “Alguém conhece Beatles aqui?”

sábado, 17 de abril de 2010

Uma semana depois

Após uma semana de OWU, os dias passaram em um ritmo muito mais acelerado do que o costumeiro African Time, Deus é pai. Por sinal, todo dia foi basicamente a mesma coisa. Acordar por volta das 7:30, trocar de roupa e começar a dar a aula às 8 da matina. A Elea resolveu fazer um pouco diferente, acordava um pouco mais cedo pra comer a papinha (uma espécie de mingau transgênico moçambicano) que é servida entre 7:20 e 7:40 e depois voltava para me acordar. Quem me conhece sabe que eu nunca ia trocar mais 15 minutos de sono pela manhã, ainda mais sabendo que o mata bicho, popular café da manhã brasileiro, é servido às 9:30.

Sigo vagarosamente para minha primeira aula do dia. Ela vai das 8 até o mata bicho e é dada à turma nível 2 de inglês. A sala é composta pelos alunos do curso de Formadores que iniciaram os estudos em 2009. Formador é professor em moçambicanês e este curso prepara os formadores que prepararão os formadores da EPF. Lembra da EPF ( Escola dos Professores do Futuro)? Nosso antigo projeto que preparava professores para o ensino primário nas zonas rurais do país. Então, aqui eles preparam os professores que darão aulas nesse projeto. Subimos um degrau na cadeia alimentar da nossa organização.

Enfim, esses alunos são em média mais velhos, os mais novos têm nossa faixa de idade, enquanto os mais velhos já carregam mais de meio século nas costas. Meu primeiro pensamento foi: "F****!". O problema era que todos (pessoas aleatórias que passaram pela minha vida e pelo mesmo programa que eu) tinham me dito que as pessoas mais velhas, especialmente formadores, não aceitavam DIs, especialmente mais jovens, como professores. Agora imagine eu como professor deles, piada.

Porém, como eu já disse anteriormente: "Deus é pai". Não é que baixou o professor em mim e mesmo sem tempo para dar aula eu consegui enfiar a matéria na cabeça deles? E com a Elea aconteceu a mesma coisa. Nossa atuação superou e muito nossa expectativa. Eles não só nos respeitam como professores, mas aparentemente gostam da gente. Tá sendo bem legal pra gente isso tudo.

Chega de digressões! Continuando. Essa turma é nível intermediário mas na verdade são nível básico ainda, mas sabem falar alguma coisa e já entendem alguma coisa também. Comecei do zero com eles e creio ter conseguido uma melhora interessante para uma semana.

A aula sempre acabava com o sinal para o mata bicho. Meia hora depois lá estava eu de volta para dar aula. Em nosso esquema de rotação de salas, a Elea dava todas as aulas na parte da manhã ao nível 1, eu dava ao nível 2 e 3. À tarde ela dava pro dois e pro um e eu só pro três. Entendeu?

A sala do nível 3 era muito boa. Eram nove alunos com um nível de inglês bastante elevado. Durante a aula falávamos apenas em inglês e cobrimos uma parte muito maior do que a prevista. Tivemos tempo ainda para discutir questões aletórias, desde o presidente Lula até os campeonatos de futebol no Brasil e na Europa.

Minha segunda aula do dia acabava às 11:30 da manhã e eu voltava a dar aula para o nível 2, dessa vez só por uma hora. O almoço aqui é às 12:30. A Elea então começava a aula dela com nível 2 às 13:30 e eu voltava ao nível 3 e ficava até às 16:00. Das 16:00 até às 18:00 é o horário em que os alunos trabalham na fazenda ou jogam futebol. Nós preparávamos as aulas seguintes e tomávamos banho. Aqui só tem água muito gelada no chuveiro, logo se a gente demora até a noite pra toma banho lascou.

A janta é servida às 18:oo e é minha refeição preferida. Enquanto no almoço é servido shima/arroz com matapa ou feijão. À noite é shima/arroz/macarrão com carne de vaca ou peixe e uma vez por semana um frango prá lá de bom.

Depois da janta a gente sempre tinha uma atividade mais “de buena” pro povo só que sempre surgia um imprevisto que nos impedia de realizar a tarefa e a gente voltava a se concentrar nas aulas do dia seguinte até mais ou menos umas 10 da noite. Depois íamos dormir em nossa barraca no meio da savana. Ahhhh, África...

Novo projeto em Changalane

Antes de tudo, desculpem a demora para escrever e mandar informações de como andam as coisas por aqui. As últimas semanas foram bem confusas, lotadas de coisas para fazer e pouco tempo para entrar na internet.

A notícia principal e a melhor, por sinal, é que já estamos em um projeto novo e com trabalho bem intenso por enquanto. Como comentei antes, viemos para Changalane, a 80 km de Maputo capital, bem do lado da Suazilândia - vemos várias montanhas no horizonte e do outro lado já é o país vizinho. O projeto é a One Worl University, conhecida como OWU (ó-vê-ú).

Chegamos na quinta passada (dia 08) e já avisaram que deveríamos dar uma semana de aulas de inglês, das 8 da manhã até às 20 da noite, a partir da segunda. Ou seja, o fim de semana todo foi dedicado às preparações para isso. Essas aulas foram ministradas para os alunos do curso de Formadores, que são professores de ensino superior que dão aulas para formar professores para escola primária.

Oficialmente, contudo, vamos trabalhar com os alunos do curso de Combatentes da Pobreza - sim, aqueles mesmo com quem estávamos trabalhando em Bilibiza antes de termos que sair e lá. O curso de combate à pobreza é o primeiro do mundo nessa área que vale como ensino superior e é basicamente um curso que une a teoria com a prática para que os alunos saiam daqui já prontos para atuar junto às comunidades e implementar atividades para o desenvolvimento da vida em Moçambique. As atividades práticas que eles têm de fazer são nossa cara e tenho certeza de que vai ser muito bom trabalhar com eles aqui.

Ainda não fomos à vila, estamos marcando nosso passeio para conhecer amanhã. Mas pelo que ouvi é bem vida de interior moçambicano, com poucas pessoas falando português, poucas coisas para se comprar e construções bem precárias. Vou levar a câmera fotográfica e posto as fotos depois.

O ruim é que por enquanto dizem não ter espaço em quartos para nós e por isso estamos dormindo em uma barraca montada no "quintal". O cenário em volta lembra as cenas de O Rei Leão, quando Mufasa ensina Simba a caçar, com o capim alto, as árvores retorcidas ao fundo e o céu azul sem nuvem alguma. À noite, a janela da barraca dá vista para um dos céus mais bonitos que já vi. Mas o frio chega aqui, apesar de ser África, e esperamos que até metade de maio tenhamos um teto sob o qual dormir.

domingo, 4 de abril de 2010

Fotos Bilibiza/Wimbi

As três primeiras fotos são de Bilibiza. Elas mostram a escolinha, eu e os nossos vizinhos babuínos.







Segue também algumas fotos da praia do Wimbi em Pemba. A primeira é do nosso amigo brasileiro Marcelo, nos ajudou muito enquanto estivemos por lá. A segunda é da cooperativa dos artesãos Makonde e a última da praia mesmo.





sábado, 27 de março de 2010

Saldo do Primeiro Mês

No último dia 19, completamos um mês em Moçambique. É incrível como passou rápido. Infelizmente, perdemos nossas duas primeiras semanas presos em Maputo, tentando resolver a questão do roubo do passaporte do Gabriel.

O lado bom foi que pudemos conhecer a capital do país e entender melhor como funciona Moçambique e o povo daqui, fizemos amigos pela comunidade, descobrimos projetos interessantes na região e saímos daqui entendendo melhor qual a postura que se deve ter ao lidar com os moçambicanos e com as questões de desenvolvimento. Fora que tivemos tempo suficiente para convencer a ADPP (Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo, a organização para a qual trabalhamos aqui) a nos mandar ao nosso projeto de avião, e não de ônibus, que demoraria duas semanas para chegar a Bilibiza.

Para quem não acompanha o blog, Bilibiza era a África que todo mundo tem no imaginário: uma pequena aldeia, sem eletricidade ou água encanada, as casas todas feitas de barro eram destruídas quando havia chuva forte e quase ninguém sabia falar português – só se ouvia Emakhua, a língua predominante na região norte do país. Encontrar vegetais, legumes, frutas era muito difícil e nossa alimentação ficava restrita a, principalmente, arroz, feijão, matapa (folha do feijão cozida) e chima (farinha de milho + água).

Como somos meio loucos, consideramos Bilibiza o lugar perfeito, até porque havia um grupo de Combatentes da Pobreza, pessoas que implementam diversas atividades junto à comunidade, como as que queremos fazer. Estávamos trabalhando com eles nas duas semanas que ficamos por lá: arrumamos o orçamento para conseguir o dinheiro dos patrocinadores e começar os projetos e fomos às escolas na aldeia para chamar a população para participar das atividades.

A escolinha de Bilibiza estava parada porque o líder da comunidade local queria cobrar dinheiro para conversar com as crianças e chamá-las para as aulas. Era cerca de um real por criança com que ele falasse, então nós e os outros voluntários ficamos em um impasse: se aceitamos as condições e damos o dinheiro, toda vez que quiséssemos implementar uma atividade nova e falássemos com ele, ele pediria mais dinheiro, mesmo que a atividade fosse para o bem das pessoas da aldeia. Conseguimos um intermediário e semana passada as aulas voltaram na escolinha, mas já não estávamos lá para ajudar.

Como já expliquei, tivemos que sair do projeto em Bilibiza porque o Gabriel ficou com uma reação alérgica e crise de asma forte lá. Desde a primeira noite, ele não conseguia dormir, respirava mal, não podia falar direito e não podia ir a nenhum cômodo da casa que não fosse a sala de estar, o único com janelas e por isso mais arejado, menos úmido e sem mofo. Trabalhar em Bilibiza era impossível para ele e até mesmo perigoso, porque o hospital mais próximo ficava a cerca de quatro horas dali, então decidimos trocar de projeto após duas semanas.

Voltamos a Maputo há alguns dias e estamos resolvendo para qual projeto vamos agora. Changalane, a 80 km da capital nacional, parece que vai ser a eleita. Lá há uma universidade para formar professores e Combatentes da Pobreza, os mesmos com que trabalhamos em Bilibiza. Os voluntários que ficaram lá sempre falam muito bem porque você ajuda na formação dos Combatentes e trabalha com eles direto com as comunidades. Quarta que vem vamos visitar a universidade e conversar com a diretora já sobre nossas atividades lá.

Com todos os imprevistos e mudanças, ainda não tivemos tempo de implemetar o dinheiro doado por amigos e familiares em fevereiro, quando passamos no Brasil. Queremos ter um tempo para conhecer a região onde vamos trabalhar primeiro para ter certeza sobre as necessidades do local e garantir que ninguém use um projeto nosso em benefício próprio. Em Bilibiza, por exemplo, dois voluntários construíram um poço e o líder local começou a cobrar para as pessoas tirarem água.

Assim que chegarmos a Changalane, vamos à comunidade para investigar as condições de vida lá e a partir daí montaremos os projetos para começar a implementar os 750 dólares arrecadados na pizzada. Já aviso que isso deve demorar algum tempo, mas vamos informando a todos por aqui.

E para aqueles que tem preguiça de ler e gostariam de ver mais imagens, aviso que Moçambique é obviamente um país sem muita tecnologia e a internet daqui é lenta demais para postarmos muitas fotos sempre. Por isso, duas ou três fotos por texto é o máximo que conseguimos e ainda demoramos uma hora e meia para fazer isso. Hoje não vai dar porque está em um dia ruim

quinta-feira, 25 de março de 2010

O camaleão no meio do caminho

Na nossa última ida à vila para comprar pão e trocar uma das capulanas que estava manchada, levamos a máquina fotográfica. Em algum lugar entre a entrada e o centro, Gabriel me chamou atenção ao animal no meio da estrada. Era um camaleão verde brilhante, cada olho apontando para um lado, atravessando a rua lentamente.



O camaleão colocava uma pata à frente, puxava para trás, para frente de novo, para trás e finalmente concluía um passo. Começamos a tirar muitas e muitas fotos, observados por um grupo de locais sentados embaixo de uma árvore. Para variar um pouco, eles riam de nós e de nossa surpresa com o bicho.



De repente, num momento de distração minha por causa de algumas crianças correndo em nossa direção a gritar “kunha”, veio uma bicicleta e atropelou nosso mais novo amigo camaleão. O grupo que nos assistia soltou uma lamentação também e o bicho começou a andar desgovernado e mudar de cor.

Um cabrito se aproximou e, ao cheirar o réptil, fez todo mundo virar o rosto. Falei que não queria ver aquilo e saí andando. Mas o cabrito foi embora e nos deixamos ficar, torcendo e querendo que o camaleão ficasse bem, que só estivesse ferido e se curasse.

Ao contrário, nosso amigo foi mudando de cor, o verde deu lugar a um cinza esbranquiçado. Cambaleando, lutando para sair da estrada, o camaleão se rendeu e perdeu suas últimas forças. E nós seguimos nosso caminho ao centro, sem fotos da tragédia e tentando esquecer do acidente.



Obs: Na versão do Gabriel, o cabrito cheirou o camaleão antes da bicicleta chegar e atropelar o bicho. Eu discordo. E como sou eu quem está escrevendo, a versão publicada é a minha.

terça-feira, 23 de março de 2010

As indescritíveis andanças por Bilibiza

O centro de Bilibiza fica a 20 minutos andando da casa dos voluntários. Como centro, entenda-se região onde alguns locais vendem pães e poucos tipos de legumes e há algumas barraquinhas e lojinhas de comércio.

Com dez minutos de caminhada, as primeiras casas de barro surgiam na estrada esburacada e sem asfalto. O mato acompanhava durante todo o caminho e às vezes tampava a vista do horizonte igual aos cenários de documentários nas savanas.



O sol, o calor, a umidade sempre nos obrigavam a ir à vila no fim da tarde, quando os mosquitos partiam ao ataque, ou então de manhã bem cedinho.

As primeiras pessoas nos avistavam. Se eram adultos, sempre nos saudavam com um "Salama, salama!" e bem raramente diziam "Bom dia". Se eram crianças, elas vinham correndo de longe, acenando e gritando "Kunha, kunha, kunha!", o que significa "branco". Era só acenarmos de volta e a felicidade delas estava feita. Uma vez, teve um grupo de meninas que nos seguia dançando e cantando em Emakhua. Nunca descobrimos o que diziam.

Quando a máquina fotográfica nos acompanhava, sempre pediam para tirarmos foto deles. Na primeira vez, não conseguíamos entender se brigavam com a gente ou nos chamavam. Enfim um local passou e explicou que queriam ser fotografados. Faziam poses, puxavam as crianças, mostravam os instrumentos de trabalho. Até que uma das locais pediu cinco meticais para sair na foto e a brincadeira acabou para nós.



No lugar onde vendiam pão a um metical cada, um dos meninos vendedores sempre ficava falando a língua local e rindo porque nós não entendíamos. Qualquer coisa era motivo para rirem aliás, tamanho o choque cultural de pequenos costumes nossos.

A parte ruim é que toda vez algum bêbado ou alguma criança ou uma pessoa comum nos seguia por algum tempo, dizendo "ikemelê" ou "estou a pedir". E você pergunta alto "Estou a pedir o quê?". E os risos em resposta mostram que pedem qualquer coisa, para qualquer um, porque precisam, de verdade, de tudo.

Indo embora

Como eu expliquei no post passado, o Gabriel está com uma reação alérgica ao ar ruim da casa e suas conseqüências e por isso teremos que mudar de projeto. A eletricidade aqui funciona só cerca de sete horas por dia, e quando o diretor da escola está fora ela quase não funciona porque não ligam o gerador por causa de preguiça. Como não há socorro perto caso a alergia vire uma crise feia e não podemos contar com eletricidade para inalação, vamos sair daqui.

Fomos a um médico em Pemba, que trata nosso chefe aqui do projeto. Ele fez exame de sangue em nós dois, o que apontou negativo para malária e mostrou a alergia do Gabriel. O conselho dele foi que, caso não conseguirmos melhorar o ambiente da casa, coisa que sabemos que não vai acontecer, devemos mudar de cidade mesmo.

Não sabemos para onde vamos, nem o que vamos fazer lá. Só sabemos que precisa ser uma casa mais nova de preferência, com eletricidade e/ou água corrente (porque os baldes espalhados pela casa favorecem a umidade e os mofos). Se o clima for menos úmido que o daqui também ajuda já.

Nessas condições, conhecemos a casa de Maputo, de Changalane (uma universidade da ADPP, onde formam os professores da EPF e os combatentes da pobreza) e de Nacala. Nicolau, o responsável por todos os DIs de Moçambique diz que todos os projetos do país estão cheios e não sabe o que fazer com a gente. Eu tenho confiança que se o pressionarmos um pouquinho, ele arranja um lugar para ficarmos.

Nossa esperança é encontrar outros combatentes em outra província e trabalharmos com eles, já que estávamos gostando da idéia de ajudar o trabalho que estavam começando.
Por ora, ficamos aqui em Bilibiza mesmo, dormindo na sala que é mais fresca e ventilada, a esperar por uma resposta, uma luz, uma solução. Mais notícias sobre isso em breve.

O trabalho em Bilibiza

Tivemos a sorte de encontrar uma função para nós logo no primeiro dia aqui. Hassira explicou que há um grupo de estudantes do curso de Combatentes da Pobreza de Maputo implementando atividades nas comunidades próximas à sede de Bilibiza, como cursos para ensinar carpintaria e corte e costura; construção de latrinas, campos e quadras esportivas, escolinhas; criando hortas nas escolas; e montando clubes para ensinar sobre saúde e cultura.

Os quatro são um pouco perdidos, já estão há um mês aqui, mas ainda não conseguiram que a sede em Maputo aprovasse o orçamento, bancado por uma empresa espanhola, para que se iniciem as construções e atividades. A primeira coisa que fizemos foi ajudá-los com o orçamento e explicar por que se deve saber o tamanho de um prédio antes de comprar o material a ser usado. O que parece básico, óbvio para nós, nem sempre é para eles, como dá para ver.

Além disso, Hassira explicou que poderíamos trabalhar também na escolinha, de que o casal Federico e Sarah deveria estar cuidando. Porém, para que as crianças venham à escolinha, o chefe da comunidade deve avisar à população sobre isso. E aparentemente o mediador entre os voluntários e o chefe pediu dinheiro para eles, caso contrário, o líder dificilmente daria o aviso. Federico se irritou com isso e agora a escolinha está parada novamente.

Na EPF em si, não há mais espaços para formadores (os professores que treinam os alunos), mas sempre que quisermos, devemos conversar com o coordenador pedagógico e podemos dar cursos extracurriculares e criar outras atividades além da sala de aula.
A primeira semana, porém, foi quase toda usada para tentar cuidar da saúde do Gabriel.

A casa dos voluntários é sempre fechada por causa dos animais e insetos que podem aparecer e há baldes de água espalhados por não haver água corrente. Com isso, a umidade é muito alta e aparecem mofos, ácaros, etc, que atacam a alergia do Gabriel e fazem com que a respiração fique difícil. Por isso, provavelmente seremos obrigados a mudar de projeto/província. Mas isso é assunto pra outro post.

Chegando no fim do fim do mundo

Levamos 17 dias presos em Maputo, então já dava para ter uma idéia de que chegar à Bilibiza não seria uma tarefa muito fácil.

Começou com a ida ao aeroporto. Moisés, o motorista da ADPP, deveria estar em casa para nos buscar às 8h30, já que nosso vôo era às 11h e o trânsito em Maputo chega a deixar o de São Paulo com certa inveja pela manhã. Acordamos uma hora antes, tomamos café (vulgo pão com badia), terminamos as malas, Gabriel fez a barba, checamos o quarto três vezes e sentamos para esperar.

Com mais de uma hora de atraso, Moisés chega tomando refrigerante e comendo badia, bem como seus amigos que pegavam boleia com ele. Por saber que estava atrasado e temer que perdêssemos o vôo, o motorista cortava caminho por dentro – coisa que já é complicada em São Paulo, fica ainda mais difícil nas ruas não asfaltadas, sem sentido e com habitações nada organizadas. Pensei que o carro ia encalhar ou tombar umas cinco vezes.
Chegamos ao aeroporto a tempo de fazer o check-in e a LAM nos fez pagar um absurdo de quase quatro dólares por quilo em excesso na bagagem. Depois, uma mulher nos fez abrir uma das malas por causa de alguns potes de tinta guache para as crianças.

Embarcamos, enfim, a pé, atravessando pelo meio da pista de decolagem. Nossos assentos eram os últimos do avião, ao lado do lugar onde guardavam as garrafas de água embaixo dos bancos. O vôo seria de duas horas e meia, sem televisão, mas com uma paisagem cheia de praias de areia branca e mares coloridos.

Hassira, o líder do nosso projeto em Bilibiza, veio nos buscar no aeroporto de Pemba e nos levou à casa da ADPP. Observando a cidade por dez minutos, dava para perceber por que Cabo Delgado é considerada uma das províncias menos desenvolvidas de Moçambique. Casas de barro espalhadas pela cidade, muitas vias sem asfalto, feiras bagunçadas ao ar livre. Por onde passávamos, atraíamos atenção pela nossa cor de pele, raramente vista na região.

De Pemba à Bilibiza, foram cerca de quatro interessantes horas, por assim dizer, na traseira de um Land Rover off-road (acho que foi isso que o Gabriel falou). O tempo todo de estrada era mato e mais mato, ou vilarejozinhos de casas de barro, do tipo que você pensa que só existem mesmo em filmes e documentários do Discovery Channel sobre o subdesenvolvimento.

Em algum momento da viagem, comecei a desejar que nunca chegasse. Não queria ver Bilibiza, não queria conhecer a mesma realidade onde moraria por seis meses. Mas Bilibiza chegou, já na escuridão de uma noite sem eletricidade. O motorista desceu e olhares curiosos de crianças diziam “kunha, kunha!” silenciosamente. Arrisquei um “Salama!” que aprendi no caminho, mas a resposta veio muito complicada e minha cara de interrogação provocou risos nas meninas.

Nossa casa aqui era bonita e ainda tinha eletricidade. Conhecemos os outros quatro moradores daqui – um casal formado pelo argentino Federico e a italiana Sarah, a japonesa Nozomi e o italiano também Federico. Tive meu primeiro banho de canequinha desde a infância e a noite, sob a proteção de um mosquiteiro, foi uma das mais difíceis que experimentei, pelo calor, pela umidade, pela ansiedade da chegada.

Atualizando...

Bilibiza tinha, sim, internet, mas era a pior conexão que eu já experimentei na minha vida. Com isso, fiquei com posts acumulados por quase duas semanas.

Por isso, vou postar tudo de uma vez, já que já estão velhos mesmo.

E só pra constar, estamos de volta em Maputo.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Humor negro

17 dias atrás
- Como assim você não tá encontrando o passaporte?
- Não tá no bolso com os outros, só encontrei o velho e o meu novo.
- Mas tem que tá, já procurou direito em tudo?
- Já, mas não encontrei. Vê se você encontra....

16 dias
- É Zé, agora tem que esperar.
- Ah, isso é rapidinho. A Magna fez o dela rapidinho.
- É eu fui lá e falei com o Seu Wilson e no mesmo dia fico pronto, tive que pagar quarenta dólares, mas é rapidinho. É o verdinho datilografado mesmo. Rapidinho. Semana que vem você já tá em Bilibiza.
- Único problema é que o Wilson enrola pra caramba. Quando fui lá o homem só falava e se atrapalhava todo.

15 dias
- Ihh bocó, acabei de ver que o seu passaporte vai ter que ser o novo porque eles estão mudando de sistema. O antigo não faz mais.
- E desde quando é o novo? O Zé e a Magna me falaram diferente...
- Então, a partir de amanhã começa o novo sistema.

14 dias
- Podem se sentar, querem uma água? Então digam o que aconteceu.
- Passaporte sumiu. A gente tem certeza que foi na saída do ônibus que o meu passaporte foi roubado ou fico no ônibus mesmo. Isso porque a gente passo da fronteira e depois eu dei o passaporte pra ela guardar e quando a gente chego em casa não tava lá. A saída do ônibus foi uma confusão e todo mundo tava pegando nas nossas coisas...
- É, e eu chequei o ônibus também e já entramos em contato com a companhia pra vê se eles encontram. Uma tal de Brigida tá encarregada pela busca. Pelo menos foi passaporte novo que sumiu, já penso se fosse o velho com o visto pros EUA?
- Poxa....que pena! No dia em que chegaram? Tem que ter muito cuidado. Passaporte é roubado toda hora aqui. Enfim, vão ter que pagar no banco a taxa de emissão de um novo, fazer BO e voltar aqui e hoje mesmo já sai.
- Sério? Nossa pensei que ia demorar bem mais. Brigadão, Seu Wilson! Até daqui a pouco.

13 dias e meio
- Seu Armênio, como o senhor está? Já são 14 horas, o documento tá pronto.
- Já está pronto sim. Pode conferir?
- Tirando a idade tá tudo certo. Muito obrigado pela ajuda Seu Armênio.
- É a idade no documento não tem problema, mas só diplomata não paga...
- Como?
- Diplomata não paga, mas como ainda não são...
- Como?
- Vocês não são diplomatas e só diplomatas que não pagam.
- tsc tsc....

12 dias
- E ae Gabriel, já tá pronto o passaporte?
- Você acha? Seu Wilson falo que ia fazer ontem mesmo, cheguei lá e o cara tava uma fera porque não sabia mexer no sistema. Pediu pra voltar amanhã.
- E a passagem?
- Não conhece o Nicolau? Danilo, o cara enrola muito. Continua falando que tem que ir de mochimbombo*. Vamos esperar o passaporte primeiro.

11 dias
- Bocó, será que já tá pronto? Ele falou no email que ia fica pronto mais tarde.
- Esse cara não sabia nem mexer no sistema. Você acha mesmo do jeito que ele é enrolado que meu passaporte fica pronto hoje. Fica amanhã. Só pra garantir é bom chegar cedo.
- Eu sei. Ele é bonzinho, mas muito enrolado.
- Chegaram mais cedo? Que sorte, tinha me esquecido de tirar as impressões digitais.

10 dias
- Bom dia.
- Bom dia, pode se sentar.
- Já consegui o passaporte novo e agora preciso do visto, como faço?
- Tens que ir a fronteira. Pega o carimbo de saída e depois o de entrada na África do Sul. Pega o carimbo de saída da África do Sul e o de entrada de Moçambique.
- Já to indo.

9 dias
- Bom dia.
- Bom dia, pode se sentar.
- Carlos, não funcionou. Perdi o dia inteiro, peguei quatro boleias** e quando cheguei lá não deixaram eu sair de Moçambique. Falaram que eu tinha que passar pela Direção Nacional de Imigração.
- Já imaginava. Há de ir à tarde comigo à imigração. Deve demorar uma semana, processo demorado.

6 dias
- Bom dia.
- Bom dia, trouxestes os documentos?
- Tão todos aqui, você acha que já saí hoje?
- Hoje não há nada a sair. Estamos a espera do recibo do visto. O visto há de ficar pronto em 2 semanas e iremos enviar depois a Bilibiza.
- Mas hoje saí o recibo?
- Levaremos os documentos, depois o diretor vai assinar e mais tarde tenho que pagar. Deve demorar mais uns dois dias.

4 dias
- Bom dia.
- Então Carlos, é hoje?
- Não deu tempo de pagar ainda. Estou a ir para Matola*** e amanhã resolveremos o recibo e a passagem a Bilibiza.
- Sobre isso, quero ir na segunda já que é necessário comprar com 3 dias de antecedência para ter o valor promocional. Isso que a Elea me contou...

3 dias
- Oi Carlos, estavamos te esperando. Conseguiu?
- Tivemos um problema e só estará pronto daqui a duas semanas....
- ...
- ...
- Mas o Gabriel me disse que você falo que hoje ia tá pronto? Não tem nada mesmo que de pra fazer?????
- Hahaha é brincadeira. Está tudo pronto. Aqui estão suas passagens e estes são os documentos para viagem. Você ficou sério, mas ela.... tinha que ver a cara.... ahahaha
- ...

1 dia
- Acorda! Anda Bocó! Vai ficar orgulhosa da sua namorada!
- Hunm? Que..... foi?
- Falei com o Nicolau e ele me deu o telefone pra ligar pro Hasira. Ele que é o nosso project leader**** e segunda vão buscar a gente no aeroporto. A gente não tem que se preocupar em pegar mais nenhuma chapa***** ou boleia.

Hoje pela manhã
Email:
"oi gabriel

encontrei o teu passaporte.podes me contactar no nr.0027132328556 ou
brigida@intercape.co


fik bem

Brigida"



*Mochimbombo é o transporte públido em Moçambique utilizado para distâncias mais longas. É um ônibus muito velho.
**Boleia significa carona.
*** Cidade próxima a Maputo onde está localizada a Departamento Regional de Imigração.
**** Project Leader é o responsável pelo voluntário no projeto me que o voluntário trabalha. Nosso chefe que ainda não havíamos contactado.
*****Chapa é o transporte público em Mocambique. Lembra a lotação

quinta-feira, 4 de março de 2010

Santa Paciência

Preguiça de escrever. Muita preguiça de escrever, preguiça de qualquer coisa. Todo dia é a mesma coisa, ou quase. Acordo por volta das oito da manhã graças ao calor insuportável, levanto, troco de roupa, vou ao banheiro e volto pra vê se a Elea já acordo. Depois espero e espero até ela acordar. Quando ela acorda partimos pra nossa primeira ida às barraquinhas da rua da frente. Compramos nosso "matabicho", bom e velho café da manhã, a base de pão e badia, a prima bastarda do brasileiro bolinho-de-chuva. Voltamos e esperamos. Saímos e comemos. Voltamos e esperamos. Entramos na internet e advinha? Esperamos e depois comemos (não necessariamente nessa ordem).

Pra não dizer que caímos em uma rotina, geralmente fazemos programas alternativos como resolver os problemas em relação ao visto, passagem para Bilibiza e passaporte (das três a primeira ainda está pendente, a segunda bem encaminha e a terceira resolvida).


Outra atividade que venho praticando religiosamente às 16 horas é jogar futebol com os garotos da comunidade. Jogo de várzea, mas várzea mesmo. O campo é um terrão e os jogadores são umas figuras, praticamente folclóricos. Na ponta temos o jovem White (os pais devem ter um excelente senso de humor) e no banco o jovem Artrites. Enfim, da pra imaginar o resto. No campo quando fazem gol comemoram junto à banderinha, tiram a camisa ou limpam os pés descalços. Mas, o que chama a atenção é o bendito fôlego dessa gente. Correm muito. Não surpreende ter sempre um Paul Tergat da vida levando a São Silvestre.



Essa é a uma hora e meia do dia que considero meu momento "Esporte Espetacular". Sabe aquelas matérias domingo de manhã em que o Regis Resing vai pra um lugar muito distante e mostra uma galera muito X jogando bola e sendo feliz numa situação pra lá de desgraçada? Então, é mais ou menos isso. Sem falar naquela história do "futebol como linguagem universal" ou "todos dentro do campo são iguais" e assim vai.

Depois é a mesma coisa de sempre, nós voltamos e esperamos....