terça-feira, 23 de março de 2010

Chegando no fim do fim do mundo

Levamos 17 dias presos em Maputo, então já dava para ter uma idéia de que chegar à Bilibiza não seria uma tarefa muito fácil.

Começou com a ida ao aeroporto. Moisés, o motorista da ADPP, deveria estar em casa para nos buscar às 8h30, já que nosso vôo era às 11h e o trânsito em Maputo chega a deixar o de São Paulo com certa inveja pela manhã. Acordamos uma hora antes, tomamos café (vulgo pão com badia), terminamos as malas, Gabriel fez a barba, checamos o quarto três vezes e sentamos para esperar.

Com mais de uma hora de atraso, Moisés chega tomando refrigerante e comendo badia, bem como seus amigos que pegavam boleia com ele. Por saber que estava atrasado e temer que perdêssemos o vôo, o motorista cortava caminho por dentro – coisa que já é complicada em São Paulo, fica ainda mais difícil nas ruas não asfaltadas, sem sentido e com habitações nada organizadas. Pensei que o carro ia encalhar ou tombar umas cinco vezes.
Chegamos ao aeroporto a tempo de fazer o check-in e a LAM nos fez pagar um absurdo de quase quatro dólares por quilo em excesso na bagagem. Depois, uma mulher nos fez abrir uma das malas por causa de alguns potes de tinta guache para as crianças.

Embarcamos, enfim, a pé, atravessando pelo meio da pista de decolagem. Nossos assentos eram os últimos do avião, ao lado do lugar onde guardavam as garrafas de água embaixo dos bancos. O vôo seria de duas horas e meia, sem televisão, mas com uma paisagem cheia de praias de areia branca e mares coloridos.

Hassira, o líder do nosso projeto em Bilibiza, veio nos buscar no aeroporto de Pemba e nos levou à casa da ADPP. Observando a cidade por dez minutos, dava para perceber por que Cabo Delgado é considerada uma das províncias menos desenvolvidas de Moçambique. Casas de barro espalhadas pela cidade, muitas vias sem asfalto, feiras bagunçadas ao ar livre. Por onde passávamos, atraíamos atenção pela nossa cor de pele, raramente vista na região.

De Pemba à Bilibiza, foram cerca de quatro interessantes horas, por assim dizer, na traseira de um Land Rover off-road (acho que foi isso que o Gabriel falou). O tempo todo de estrada era mato e mais mato, ou vilarejozinhos de casas de barro, do tipo que você pensa que só existem mesmo em filmes e documentários do Discovery Channel sobre o subdesenvolvimento.

Em algum momento da viagem, comecei a desejar que nunca chegasse. Não queria ver Bilibiza, não queria conhecer a mesma realidade onde moraria por seis meses. Mas Bilibiza chegou, já na escuridão de uma noite sem eletricidade. O motorista desceu e olhares curiosos de crianças diziam “kunha, kunha!” silenciosamente. Arrisquei um “Salama!” que aprendi no caminho, mas a resposta veio muito complicada e minha cara de interrogação provocou risos nas meninas.

Nossa casa aqui era bonita e ainda tinha eletricidade. Conhecemos os outros quatro moradores daqui – um casal formado pelo argentino Federico e a italiana Sarah, a japonesa Nozomi e o italiano também Federico. Tive meu primeiro banho de canequinha desde a infância e a noite, sob a proteção de um mosquiteiro, foi uma das mais difíceis que experimentei, pelo calor, pela umidade, pela ansiedade da chegada.

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