terça-feira, 2 de março de 2010

Sul X Norte, racismo e o problema do lixo

Tem um boteco na esquina antes de chegar à Estrada onde nós sempre compramos refrigerante por 12 meticais – 10 se for produto Pepsi. É o mesmo lugar onde me arranjaram o namorado de cinco meses. O nome é "Vizinho da Coca-Cola", porque estamos do lado da fábrica da Coca-Cola aqui. Sempre é esse nosso ponto de referência.

E lá fomos nós ontem de novo devolver as garrafas de vidro antes de ir comprar a janta. E nossa amiga de sempre, que é mãe do bebê e cujo nome até agora estou para descobrir, estava especialmente empolgada e falando pelos cotovelos.

Primeiro, ela reparou nos meus cabelos compridos porque estavam molhados. “Por que você não vende? Dá pra mim! Você pode ganhar muito dinheiro”. Respondi que gostava muito deles pra isso e que eles ainda não estavam grandes o suficiente de qualquer forma. “Mas cabelo brasileiro dá muito dinheiro porque fica bonito, natural. Tem cabelo de japonês, de chinês, de coreano, de indiano. O de brasileiro vale mais”.

Cortamos o assunto e pedimos logo a Pepsi. “Vocês também estão a ir embora? Seus amigos disseram que vão amanhã. Para onde vocês vão?”. Cabo Delgado. Bem no Norte. Bilibiza, não fica nem em Pemba, a capital. “Ahh, pois vocês vão encontrar muitos negros. Mas negros, NEGROS, mais pretos que eu! Tenho pena de vocês, sinto muito mesmo. Eu sou clarinha, você dá pra ver, mas lá todo mundo é muito escuro, tem orelha furada, nariz furado, tudo!”. Detalhe: ela mesma já é de um tom de pele muito mais escuro do que aquele que se costuma ver no Brasil.

Foi estranho ver uma negra moçambicana falando dessa forma sobre os conterrâneos da mesma cor. Pensei que pudesse até ser uma manifestação da rivalidade que existe entre o sul e o norte. O sul, mais perto da África do Sul, berço da capital Maputo, é bem mais desenvolvido do que o norte, possui mais oportunidades de trabalho e melhores condições de vida em geral – ainda que existam muitas favelas, muitas vias não pavimentadas e faltam muitas coisas básicas para uma cidade grande, como o mínimo de transporte público.

“Lá no norte não tem nada. O povo vem tudo pra cá, porque aqui tem emprego, tem mais coisas, o custo não é tão alto”. Por motivos óbvios, me lembrei do fluxo de nordestinos rumos a São Paulo – e também da tendência inversa que vem sendo observada nos últimos tempos. Me perguntei quantos anos mais vai demorar até a mesma coisa acontecer por aqui.

“Aqui seus refrescos” e foi colocar as garrafas numa sacola. “Não precisa, não”, falei. E vendo que ela me olhava como se eu fosse louca, expliquei: “Faz mal para o meio ambiente. Estamos tentando usar menos sacolas, é melhor. O plásticos suja, polui e faz mal pros animais”. A expressão no rosto dela continuou. “Vocês estão malucos! Compramos os sacos para isso, há de pegar! Vocês vão para longe, hão de levar a sacola ou pelo menos colocar nessa outra que vocês já tem. Não acredito nessa teoria maluca de vocês, não”.

Obedecemos a sugestão, então, já desistindo de explicar sobre o problema do lixo, da contaminação do solo, dos rios e dos mares, sobre a falta de sustentabilidade das ações humanas, sobre os animais sofrendo, o desmatamento, a falta de espaço para todas as tralhas que jogamos fora, etc, etc, etc. Mas , chegando em casa, depois de andar os longos 300 metros que ela disse que eram longe, preparei um curso sobre isso. Se não aqui, em Bilibiza vão ter que me escutar.

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