domingo, 25 de abril de 2010

Cena de Changalane

7h20 da manhã. Vento forte, frio de começo de dia, igualzinho a São Paulo. Passo no lugar de se lavar roupa para deixar tudo de molho no tanque. Dois alunos do curso de Formadores, ambos angolanos, já estão lá limpando os lençóis. Um só conta causos sobre a guerra civil. Só peguei um fragmento:

- Durante a guerra, em Luanda era complicado também. Quando as pessoas do sul chegavam lá, os outros já se punham a gritar e apontar “Sulanos, sulanos!”. Uma vez, um homem estava no aeroporto e alguém percebeu pela maneira de falar que ele não era de lá. “Sulano, sulano”, começaram. O moço tirou uma pistola de dentro da roupa e atirou. Matou dois, só de raiva.

E continuava...

- Antes de mudar para a cidade, morava no interior em uma aldeia. Até que os soldados chegaram lá e se assentaram para fazer o registro de todos: tinha que ter data de nascimento de todos, data de casamento dos casais, nomes dos filhos. Queriam saber para ter controle na hora de atacar. Foi quando decidi ir embora. Falei pra minha mãe: “Se quiser ficar, vocês ficam. Mas eu não vou ficar a esperar alguém me matar”. E fui pra cidade e não encontrei mais eles.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Primeira matéria daqui

"Nuvem cinzenta paira sobre a Copa da África"

Ladies and gentlemen, The Beatles!

Os primeiros acordes de John e George começaram junto com a letra da canção de Paul sobre “Olá”, “Adeus”. Eles mal ressoaram pela sala e os olhos que acompanhavam as palavras em língua desconhecida no papel já levantaram e olharam espantados para o computador, a fonte daquele som diferente, vivo, novo para eles, mas tão antigo para mim.

Mais alguns versos e muitos já começaram a balançar o corpo, se deixando guiar pela levada fácil. E na segunda vez que o refrão tocou, algumas vozes já arriscavam cantar junto, cativadas pela música, mesmo sem conhecerem direito a melodia ainda ou a pronúncia das palavras.

É quase desnecessário dizer que pediram para que a canção fosse repetida para aprenderem melhor as palavras, o ritmo. E dessa vez, as vozes já soavam mais confiantes, altas, agudas, felizes. “Agora vamos cantar sem o computador. Só nós”. 1,2,3...Eu digo sim, você diz não e adeus.

Eram as vozes que tanto cantam as músicas tradicionais e ritualísticas em línguas locais diferentes se unindo, em inglês, para cantar uma das composições eternizadas desse quarteto britânico. E a mistura foi linda, algo que essa branca ocidental, mulungo, muzungo, kunha, não saberia nunca descrever.

Eu não me lembro quando fui apresentada aos Beatles. Afinal, eles sempre estiveram lá, muito antes de eu sequer pensar em nascer. Mas eu tenho certeza que nunca vou esquecer as expressões de surpresa e de alegria nos rostos desses angolanos e moçambicanos quando escutaram Beatles pela primeira vez na vida. Essas expressões que já funcionam como se fossem minhas.

Ps: Quando planejei dar Beatles na aula de inglês, era para começar com os alunos me falando o que sabiam sobre a banda. Dá pra imaginar minha cara quando só obtive silêncio ao perguntar “Alguém conhece Beatles aqui?”

sábado, 17 de abril de 2010

Uma semana depois

Após uma semana de OWU, os dias passaram em um ritmo muito mais acelerado do que o costumeiro African Time, Deus é pai. Por sinal, todo dia foi basicamente a mesma coisa. Acordar por volta das 7:30, trocar de roupa e começar a dar a aula às 8 da matina. A Elea resolveu fazer um pouco diferente, acordava um pouco mais cedo pra comer a papinha (uma espécie de mingau transgênico moçambicano) que é servida entre 7:20 e 7:40 e depois voltava para me acordar. Quem me conhece sabe que eu nunca ia trocar mais 15 minutos de sono pela manhã, ainda mais sabendo que o mata bicho, popular café da manhã brasileiro, é servido às 9:30.

Sigo vagarosamente para minha primeira aula do dia. Ela vai das 8 até o mata bicho e é dada à turma nível 2 de inglês. A sala é composta pelos alunos do curso de Formadores que iniciaram os estudos em 2009. Formador é professor em moçambicanês e este curso prepara os formadores que prepararão os formadores da EPF. Lembra da EPF ( Escola dos Professores do Futuro)? Nosso antigo projeto que preparava professores para o ensino primário nas zonas rurais do país. Então, aqui eles preparam os professores que darão aulas nesse projeto. Subimos um degrau na cadeia alimentar da nossa organização.

Enfim, esses alunos são em média mais velhos, os mais novos têm nossa faixa de idade, enquanto os mais velhos já carregam mais de meio século nas costas. Meu primeiro pensamento foi: "F****!". O problema era que todos (pessoas aleatórias que passaram pela minha vida e pelo mesmo programa que eu) tinham me dito que as pessoas mais velhas, especialmente formadores, não aceitavam DIs, especialmente mais jovens, como professores. Agora imagine eu como professor deles, piada.

Porém, como eu já disse anteriormente: "Deus é pai". Não é que baixou o professor em mim e mesmo sem tempo para dar aula eu consegui enfiar a matéria na cabeça deles? E com a Elea aconteceu a mesma coisa. Nossa atuação superou e muito nossa expectativa. Eles não só nos respeitam como professores, mas aparentemente gostam da gente. Tá sendo bem legal pra gente isso tudo.

Chega de digressões! Continuando. Essa turma é nível intermediário mas na verdade são nível básico ainda, mas sabem falar alguma coisa e já entendem alguma coisa também. Comecei do zero com eles e creio ter conseguido uma melhora interessante para uma semana.

A aula sempre acabava com o sinal para o mata bicho. Meia hora depois lá estava eu de volta para dar aula. Em nosso esquema de rotação de salas, a Elea dava todas as aulas na parte da manhã ao nível 1, eu dava ao nível 2 e 3. À tarde ela dava pro dois e pro um e eu só pro três. Entendeu?

A sala do nível 3 era muito boa. Eram nove alunos com um nível de inglês bastante elevado. Durante a aula falávamos apenas em inglês e cobrimos uma parte muito maior do que a prevista. Tivemos tempo ainda para discutir questões aletórias, desde o presidente Lula até os campeonatos de futebol no Brasil e na Europa.

Minha segunda aula do dia acabava às 11:30 da manhã e eu voltava a dar aula para o nível 2, dessa vez só por uma hora. O almoço aqui é às 12:30. A Elea então começava a aula dela com nível 2 às 13:30 e eu voltava ao nível 3 e ficava até às 16:00. Das 16:00 até às 18:00 é o horário em que os alunos trabalham na fazenda ou jogam futebol. Nós preparávamos as aulas seguintes e tomávamos banho. Aqui só tem água muito gelada no chuveiro, logo se a gente demora até a noite pra toma banho lascou.

A janta é servida às 18:oo e é minha refeição preferida. Enquanto no almoço é servido shima/arroz com matapa ou feijão. À noite é shima/arroz/macarrão com carne de vaca ou peixe e uma vez por semana um frango prá lá de bom.

Depois da janta a gente sempre tinha uma atividade mais “de buena” pro povo só que sempre surgia um imprevisto que nos impedia de realizar a tarefa e a gente voltava a se concentrar nas aulas do dia seguinte até mais ou menos umas 10 da noite. Depois íamos dormir em nossa barraca no meio da savana. Ahhhh, África...

Novo projeto em Changalane

Antes de tudo, desculpem a demora para escrever e mandar informações de como andam as coisas por aqui. As últimas semanas foram bem confusas, lotadas de coisas para fazer e pouco tempo para entrar na internet.

A notícia principal e a melhor, por sinal, é que já estamos em um projeto novo e com trabalho bem intenso por enquanto. Como comentei antes, viemos para Changalane, a 80 km de Maputo capital, bem do lado da Suazilândia - vemos várias montanhas no horizonte e do outro lado já é o país vizinho. O projeto é a One Worl University, conhecida como OWU (ó-vê-ú).

Chegamos na quinta passada (dia 08) e já avisaram que deveríamos dar uma semana de aulas de inglês, das 8 da manhã até às 20 da noite, a partir da segunda. Ou seja, o fim de semana todo foi dedicado às preparações para isso. Essas aulas foram ministradas para os alunos do curso de Formadores, que são professores de ensino superior que dão aulas para formar professores para escola primária.

Oficialmente, contudo, vamos trabalhar com os alunos do curso de Combatentes da Pobreza - sim, aqueles mesmo com quem estávamos trabalhando em Bilibiza antes de termos que sair e lá. O curso de combate à pobreza é o primeiro do mundo nessa área que vale como ensino superior e é basicamente um curso que une a teoria com a prática para que os alunos saiam daqui já prontos para atuar junto às comunidades e implementar atividades para o desenvolvimento da vida em Moçambique. As atividades práticas que eles têm de fazer são nossa cara e tenho certeza de que vai ser muito bom trabalhar com eles aqui.

Ainda não fomos à vila, estamos marcando nosso passeio para conhecer amanhã. Mas pelo que ouvi é bem vida de interior moçambicano, com poucas pessoas falando português, poucas coisas para se comprar e construções bem precárias. Vou levar a câmera fotográfica e posto as fotos depois.

O ruim é que por enquanto dizem não ter espaço em quartos para nós e por isso estamos dormindo em uma barraca montada no "quintal". O cenário em volta lembra as cenas de O Rei Leão, quando Mufasa ensina Simba a caçar, com o capim alto, as árvores retorcidas ao fundo e o céu azul sem nuvem alguma. À noite, a janela da barraca dá vista para um dos céus mais bonitos que já vi. Mas o frio chega aqui, apesar de ser África, e esperamos que até metade de maio tenhamos um teto sob o qual dormir.

domingo, 4 de abril de 2010

Fotos Bilibiza/Wimbi

As três primeiras fotos são de Bilibiza. Elas mostram a escolinha, eu e os nossos vizinhos babuínos.







Segue também algumas fotos da praia do Wimbi em Pemba. A primeira é do nosso amigo brasileiro Marcelo, nos ajudou muito enquanto estivemos por lá. A segunda é da cooperativa dos artesãos Makonde e a última da praia mesmo.