segunda-feira, 31 de maio de 2010

Histórias de um taxista

Como as histórias não eram poucas nesse dia, na volta de Maputo à Machava ficamos mais alguns minutos ouvindo relatos do passado. Dessa vez, era o taxista. Os taxistas aqui só conversam mais se você puxa assunto e eu entro no modo automático de “papo de boleia” toda vez que estou em um carro com desconhecidos. Nunca pegamos táxi, mas o horário, o trânsito e nossa localização pouco estratégica para arrumar carona nos obrigaram a isso.

Original da província de Gaza, Ernesto, nosso motorista, mora em Maputo desde 1972, antes mesmo da guerra da independência. Na época, a vida no campo, apesar de dura, era menos difícil do que na cidade e por isso seus pais sempre enviavam a comida produzida na própria machamba (pequenas fazendas), já que tudo era absurdamente caro a capital.

“Eu e minha esposa só sobrevivemos por causa da comida que meus pais enviavam. Todas as pessoas faziam assim, as famílias mandavam produtos das machambas do centro e do norte pra Maputo pros filhos que estavam aqui. Era sorte”.

Por que morar na cidade, então? Porque era em Maputo que se encontrava qualquer produto manufaturado. Cobertores, lençóis, panelas, sapatos, roupas...Tudo vinha da África do Sul, que já estava na frente do resto do continente.

Era na cidade também que o colonialismo se via ainda mais forte. Cada região de Maputo era destinada a determinado grupo de pessoas. O centro, mais conhecido como “baixa”, era habitado pelos indianos. A zona mais ao norte (acho que é norte, sou meio perdida nas direções) era onde ficavam os portugueses. E a “cidade de lata”, nos subúrbios, era o lugar para os negros morarem.

Patrão era sempre português, empregado era africano e os comerciantes eram os indianos. Tudo bem dividido. Para ninguém nem pensar em atrapalhar a ordem, quando o sol caía no horizonte, o policiamento saía nas ruas. Batiam, prendiam, maltratavam qualquer suspeito de estar se organizando contra a colônia.

Ernesto falava, contava as histórias, relembrava os abusos contra seus irmãos e sua voz mostrava sua indignação que já completou mais de três décadas. “Vocês no Brasil já não lembram do colonialismo, já esqueceram como era porque não tem ninguém mais que sofreu com aquilo. Aqui, não. Aqui todos se lembram e todos ainda sentem isso”.

Mas essa fase passou. Moçambique se tornou independente, ajudou na independência dos vizinhos e hoje vive em regime democrático – ou pelo menos tenta. Ernesto falava do primeiro presidente do país com muita admiração e respeito e ainda o comparou ao Presidente Lula que, segundo ele, tem todo o carisma que tem porque ajuda o povo e é sincero. “Não é qualquer trabalhador que consegue virar presidente. Ele é muito bom”.

Passamos o pedágio, superamos o trânsito e a corrida acabou. “Até mais, foi um prazer”, disse nos dando seu cartão. Nada, Ernesto. O prazer foi nosso, com certeza.

3 comentários:

  1. Sou um branco Africano e acima de tudo MOÇAMBICANO. è verdade o que o Ernesto disse, mas esqueceu-se, assim como muitos se esquecem que antigamente não havia a pobreza que agora hà, não havia assassinatos como agora hà. Eu próprio assisti a um africano de côr negra a ser golpeado no pescoço e se não fosse eu e outros "brancos" africanos ele teria morrido. Sei o que era a policia e o que fazia (meu pai era um deles). Isso me revoltava, mas se a Independencia tivesse sido feita , hà estilo "MANDELA", hoje ainda todos estariamos bem, e eu não estaria chorando para voltar pra minha terra e não consigo.

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  2. FUI UM DOS QUERIA A INDEPENDENCIA, e muitas vezes disse a meu pai, a resposta era :"OLHA A PIDE". Não uma independencia como foi feita, pois ainda hoje o Povo Moçambicano sofre, e o portugues também. No Brasil houve um homem que não se importando com a familia, no alto do Planalto gritou a plenos pulmões: "INDEPENDENCIA OU MORTE". Infelizmente não foi o caso de Moçambique e nem de muitos outros países africanos.

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  3. Olá, vim parar aqui por coincidencia, através do blog do Fábio.

    O taxista disse algumas verdades, mas não falou toda a verdade.
    A realidade é que a colonização foi muito ruim mas a descolonização foi péssima. Nem todos partilham da mesma opinião sobre o primeiro presidente, Samora Machel. Para muitos, ele foi um ditador marxista que não respeitou os direitos humanos e foi a principal causa da guerra civil que devastou o País.Quanto à democracia, ainda é uma miragem, principalmente devido às manobras anti-democráticas de alguns membros do Partido no poder, como por exemplo, a partidarização da sociedade e das instituições e as fraudes.

    Desejo-vos uma boa e feliz estadia em Moçambique!

    Abraço forte,

    José

    www.debatesedevaneios.blogspot.com

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